Luiz Caldas, o pai do axé, reflete sobre a indústria musical: ‘Come até se fartar’

Ele, que se apresenta neste fim de semana no Festival de Verão de Salvador ao lado de Saulo, fala ao ‘Estadão’ sobre o movimento que criou e evita entrar na polêmica que envolveu Claudia Leitte nos últimos tempos: ‘Não tem nada que eu possa aproveitar nessa discussão’; shows terão transmissão ao vivo

PUBLICIDADE

Foto do author Danilo Casaletti

Luiz Caldas subirá ao palco do Festival de Verão de Salvador (FV) 2025 no domingo, 26, carregando a bandeira a qual tem direito. Foi ele que, na segunda metade da década de 1980, ao entender que a mistura de frevo, galope e guitarra baiana já estava consolidada nos trios elétricos, procurou algo novo para fazer. Botou o vozeirão para cantar Fricote - hoje, uma música malquista pelo teor racista - e fez o País e o mundo entender o que era a alegria - e a força - do carnaval de rua da Bahia.

Aos 62 anos, Caldas se apresentará no evento, que começa neste sábado, 25, e será transmitido ao vivo (veja abaixo a programação e como assistir), ao lado do cantor Saulo, ex-Banda Eva, com o qual lançou um disco acústico em 2023. O show será plugado, com uma banda de 19 músicos. Em um ano em que o Festival de Verão reafirma estar de olho não só na música da Bahia, mas na do Brasil, com Ana Castela, Jão e Gustavo Mioto no line-up, a apresentação de Saulo e Caldas é esperada como o momento que vai celebrar os 40 anos do que a indústria chamou de axé music.

Luiz Caldas esteve no começo do axé music Foto: Fernando Vivas / Estadão

PUBLICIDADE

Caldas não tem qualquer problema com a terminologia que, ao longo dos anos, carimbou qualquer tipo de música feita na Bahia. “Nem tem o que concordar ou não. Já rolou. Penso que esse seja o nome ideal mesmo. Está em uma língua universal”, diz.

Didaticamente, ele explica que o axé não se trata de um gênero, mas de um movimento no qual cabe, junto com as raízes na música baiana, o rock, reggae, samba, salsa, merengue, entre outros gêneros musicais. “O axé é uma amálgama de tudo isso. Eu abri uma porta para se fazer um tipo de música na Bahia. Fico feliz por as pessoas terem usado bem essas portas”, diz.

Publicidade

Caldas começou a carreira aos sete anos. Cantava em bailes. No repertório, Jackson Five, Stevie Wonder e Tina Charles. Na época de carnaval, entravam as marchinhas da folia carioca, como Alalaô e Mamãe Eu Quero. A mistura de tudo isso ficou evidente quando ele subiu em um trio elétrico pelo primeira vez, aos 16 anos, para um público de mais de 30 mil pessoas. “Precisava encontrar uma identidade”, diz.

Para ele, não há nada de estranho, portanto, que o Festival de Verão de Salvador traga nomes do sertanejo, como Ana Castela e Gustavo Mioto. Ou, exclusivamente pop, como Jão e Alok. Tudo, para ele, é música - e festa.

“Seria loucura ir contra a massa ou o que as pessoas consomem”, diz, sem lançar sua crítica quanto aos estilos, mas, sim, à forma como a indústria musical os explora . “Na minha época, podíamos direcionar a cultura para que o gosto popular fosse moldado com algo de mais qualidade, que ‘linkasse’ cultura, educação e identidade. Quando essa mão é largada, e a coisa fica apenas nas mãos de, digamos assim, comunicadores inescrupulosos, que não estão nem aí para a cultura, e sim para a grana, atrai um público que não está muito a fim de pensar quando ouve música. Quer se divertir, namorar, tomar cerveja. E isso ocorre no sertanejo, no axé, na MPB. Está tudo certo”, diz.

O mundo ideal, segundo o músico, seriam festivais ainda mais plurais “Nos quais você tivesse Pablo com seu arrocha, Ivan Lins com sua MPB, Dinho do Capital Inicial com seu rock. Que todos pudessem se servir da mesa farta que é a música brasileira”, diz.

Publicidade

Questionado pela reportagem se a indústria musical não tem se servido essencialmente de sertanejo como, no passado, se empapuçou do axé, Caldas é direto. “Vai se servir até se fartar. Uma hora a barriga enche. Vai querer uma sobremesa ou até mesmo não comer nada para fazer a digestão”, analisa.

“O bom da Bahia é que não ligamos para o que está em ‘alta’. Nós vamos juntando. Tinha o samba, chegou o frevo, o axé...Tocamos tudo. A festa é linda e grande por conta da diversidade”. Desde a década de 1980, Caldas lança discos regularmente e estabelece conexões, como a feita com Saulo, que gerou o álbum acústico.

Em 2023, a identidade de Caldas foi descoberta pela geração Z. No TikTok, sempre nele, os jovens criaram novas coreografias para Haja Amor, música lançada em 1987, no auge do axé. Em 2024, ganhou uma MTG (uma montagem) pilotada pelo pessoal do funk. Haja Amor estará na apresentação no Festival de Verão, assim como Tieta, trilha da novela que, em nova reprise na TV Globo, tem feito sucesso.

Longe das polêmicas - haja amor

Rita Lee e Luiz Caldas nos bastidores de 'Chico & Caetano', em 1986 Foto: Geraldo Modesto / TV Globo

Se o tema é axé music e a identidade do movimento, um assunto não pode ficar de fora: recentemente, a cantora Claudia Leitte substituiu o verso “saudando a rainha Iemanjá (orixá ligada ao Candomblé)”, por “eu canto meu Rei Yeshua” (Jesus, em hebraico) na música Caranguejo. A artista fluminense foi acusada de intolerância religiosa. Denunciada, o Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA) cobrou explicações da cantora, que, com a repercussão, tirou a canção de suas apresentações.

Publicidade

PUBLICIDADE

Caldas se desculpa, mas prefere não opinar. “Minha carreira anda porque não perco tempo (com esse tipo de polêmica). Nem ouvi muito sobre isso. Não tem nada do que eu possa aproveitar nessa discussão. Essas questões não vão beneficiar a Bahia, nem a carreira de Claudinha e nem a de ninguém. Prefiro apenas seguir”, diz.

O cantor passou por um processo parecido no passado quando Fricote, seu primeiro hit, de 1985, que traz os versos “nega do cabelo duro/que não gosta de pentear”, parafraseados, de um antigo samba, foi cancelada.

Caldas entendeu logo o que ocorreu. Nunca mais cantou Fricote. “O processo do Fricote é muito mais forte. Envolve uma sociedade que mudou seu pensamento e sua forma de agir e de viver. Se sou o criador de um movimento que se propõe levar alegria para as pessoas, vou cantar uma canção que vai deixar determinado grupo chateado, se tenho tanta música? Se tem cura, vamos curar. Se não tem, cala a boca e segue em frente”, diz, talvez como resposta a que não quis responder anteriormente.

“Quanto mais você fala, as abelhas (cantarola ‘eu queria ser uma abelha) ficam doidas”, finaliza.

Publicidade

Confira a programação do Festival de Verão de Salvador 2025

  • 25/1, sábado
  • Pitty convida Melly (Palco Cais)
  • Ana Castela convida Xamã (Palco Ponte)
  • Só Pra Contrariar convida Alcione (Palco Cais)
  • Bell Marques (Palco Ponte)
  • Natiruts (Palco Cais)
  • Alok (Palco Ponte)
  • Daniela Mercury e Timbalada (Palco Cais)

26/01, domingo

  • Parangolé (Palco Cais)
  • Jão convida Gustavo Mioto (Palco Ponte)
  • BaianaSystem convida Marcelo D2 e BNegão (Palco Cais)
  • Leo Santana (Palco Ponte)
  • Ivete Sangalo (Palco Cais)
  • Luiz Caldas & Saulo (Palco Ponte)
  • Ludmilla (Palco Cais)
  • Momento Amstel: Sambaiana convida Diogo Nogueira (Palco Ponte)
  • Pedro Sampaio (Palco Ponte)

Como assistir ao Festival de Verão 2025

Publicidade

Multishow e Globoplay

Sábado (25): a partir das 16h15, no Multishow e no Globoplay, com sinal aberto para não assinantes.

Domingo (26): a partir das 16h35, no Multishow e no Globoplay. com sinal liberado para não assinantes

TV Globo

Publicidade

Domingo (26,) Melhores Momentos do Festival de Verão, após o Big Brother Brasil

Comentários

Os comentários são exclusivos para cadastrados.