“Tudo é dúvida.” O compositor Leonardo Martinelli soa apreensivo, mas logo vem uma risada larga. “É a primeira vez, nunca havia feito uma ópera, então quando começam os ensaios, você não sabe o que esperar. Mas, depois de ver o ensaio pré-geral, dá um baita alívio.” Neste fim de semana, no Teatro São Pedro, ele estreia O Peru de Natal, a partir da adaptação de Jorge Coli do conto de mesmo nome de Mário de Andrade.
Pode ser a estreia no gênero de Martinelli, um dos principais nomes da música de invenção brasileira, mas a ópera povoa sua mente desde muito cedo.
“É um gênero que me atrai, gosto de ópera, da música que o espetáculo tem. É um tipo de espetáculo moderno. A música contemporânea é quase uma cultura antilírica, mas acredito que a ópera é na verdade um dos caminhos mais interessantes para se divulgar a música contemporânea.”
O conto de Mário de Andrade narra a história da primeira ceia de Natal de uma família depois da morte do patriarca. Coli o escolheu para completar uma trilogia inspirada nos ideais de Liberdade, igualdade e fraternidade. O Peru de Natal vem depois de O Menino e a Liberdade, com música de Ronaldo Miranda e texto inspirado em Paulo Bomfim, e de O Espelho, de Jorge Antunes, a partir de conto de Machado de Assis.
“A ideia de uma narrativa me atrai como compositor ao trabalhar com ópera”, diz Martinelli, para quem a literatura já foi fonte de inspiração. O Fio das Missangas tem o livro de Mia Couto como ponto de partida; Roteiro do Silêncio transforma em música o poema de Hilda Hilst, da mesma forma que as Canções do Mendigo foram inspiradas em O Mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotterdam, de Evandro Affonso Ferreira, premiado com o Jabuti.
Sobre o processo de trabalho, Martinelli conta que a criação terminou nos ensaios, com a Orquestra Jovem do Teatro São Pedro e cantores da Academia do teatro, além de artistas convidados, como a soprano Tati Helene. “No começo, fiz muitos reparos, assimilando sugestões de intérpretes, cantores, músicos ou reescrevendo algumas partes tendo em vista a concepção de Mauro Wrona, com as soluções cênicas que ele criou. Foi um trabalho participativo, sem tretas.”
Em tempo: Martinelli já trabalha na segunda ópera. Navalha na Carne, inspirada em Plínio Marcos, vai integrar a temporada 2020 do Teatro Municipal de São Paulo.
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