A cantora Olívia Hime sempre se encantou com Dorival Caymmi, mas em 20 anos de carreira pouco cantou suas músicas. Agora, ela radicalizou com o disco Mar de Algodão, que reúne 17 canções praieiras do compositor baiano. "É um projeto antigo, no qual comecei a trabalhar há cerca de três anos, logo depois do disco sobre Chiquinha Gonzaga", conta Olívia. "Demorei para chegar ao ponto, pois não queria simplesmente cantar as músicas encadeadas e concluí que as que Caymmi fala do mar podem se agrupar em uma sinfonia dividida nas suítes manhã, tarde e noite. Aí, foi só chamar os arranjadores para cada parte. Gravamos tudo em cinco semanas." Dito assim, parece simples, mas Mar de Algodão é elaborado. Começa com os violões do grupo Maogani e cresce orquestrado por Nailor Proveta, Wagner Tiso e Francis Hime, para voltar à simplicidade do início. Paulo Araújo que fez os arranjos das músicas iniciais da manhã (Pescaria, Milagre, Dois de Fevereiro e Quem Vem pra Beira do Mar) confessa que a as harmonias de Caymmi o intimidaram. "Foi um desafio não ficar excessivo", confessa. "Somos um grupo instrumental que toca para cantores, mas desta vez tivemos liberdade para criar além do simples acompanhamento para uma voz." Já Nailor Proveta, que fez as outras músicas da manhã trouxe sopros pouco habituais quando se trata de Dorival Caymmi. "Tem um tom animação, um clima colorido e amaxixado que me lembra Chiquinha Gonzaga", diz Olívia. "Foi interessante ver rapazes jovens se debruçarem sobre a obra de um compositor consagrado como Caymmi." O mineiro Wagner Tiso fez os arranjos das músicas da suíte dedicada à tarde (Saudade de Itapoã, O Bem do Mar, Cantiga da Noiva e O Mar), para poucas cordas e metais. "Quis constrastar a placidez da música do Wagner, que vem de um trabalho com cellos, com a orquestração nervosa do Francis, que escolheu fazer os arranjos da noite. Aliás, cada suíte tem climas muitos explícitos", comenta a cantora. "Prefiro grupos pequenos porque dá para trabalhar o timbre de cada instrumento", completa Wagner, que trouxe toques de Villa-Lobos e Tom Jobim para a música de Caymmi. "Mas toda música brasileira lembra os dois", rebate ele. A suíte noite (Vento, Temporal, É Doce Morrer no Mar, entre outras) começa inusitada para as orquestrações de Francis Hime. Um batuque acompanha a voz a capela do próprio Caymmi na introdução de A Lenda do Abaeté, com o propósito de separar uma suíte da outra. "A idéia era gravar com o Dorival a introdução de Noite de Temporal, mas ele cantou um ponto de macumba e ficou melhor que nossa idéia inicial", lembra Hime. "No fim, voltamos ao Maogani, como ao dia que recomeça. Quando estava terminando a suite, ouvi o que eles tinham feito e decidimos que esta era a melhor forma de terminar o disco." Em meio ao tratamento instrumental raramente dado à música de Caymmi, Olívia solta a voz sem invenções, fiel ao compositor. "Nem dava para ser diferente. Ele é tão requintado, cada nota já tem o clima da letra e a voz deve entrar lisa, sem se sobrepor aos instrumentos", ensina ela. "Agora planejo um dvd, num processo inverso. Normalmente, a música entra sobre a imagem, mas dessa vez, partiremos da trilha sonora para o visual. Ainda não definimos, mas a idéia é levar os músicos todos para o estúdio e gravá-los tocando. Fica bonito, mas é pouco explorado em música popular." O DVD está previsto para o fim do ano, mas dificilmente Mar de Algodão vira show. "Seria impossível reproduzir as sonoridades ao vivo, porque são mais de 40 músicos, um projeto inviável. Quando fui orçar, vi que um espetáculo ia custar o preço de um DVD. Então fiz essa opção, a única para levar o show ao País inteiro", compara Olívia. "Ainda há possibilidade de, no segundo semestre, fazer shows com o Maogani, em cima desse repertório, mas será algo totalmente diferente do disco."