O cantor e compositor Roberto Carlos, 82 anos, vetou o uso de Amada Amante, lançada em 1971, para um filme que está sendo produzido para a Netflix. A produção, que vai falar sobre crimes financeiros, queria usar a música no instante em que a doleira Nelma Kodama, que foi presa pela primeira vez em 2014, quando tentava embarcar para Milão, na Itália, com 200 mil euros escondidos na calcinha, surgia cantando a canção. À época, ela havia sido acusada de participar de um esquema de lavagem de dinheiro com o doleiro Alberto Youssef. Uma condenação em primeira instância previa 18 anos de prisão.
Foi durante um interrogatório feito pela CPI da Petrobras, em 2015, que Nelma, que já estava presa, evocou Roberto Carlos cantando Amada Amante e falando sobre a canção para explicar sua relação afetiva com Youssef. “Amante é uma palavra que engloba tudo, né? Amante é esposa, amante é amiga”, disse ela. “Tem até uma música do Roberto Carlos: a amada amante, a amada amante. Não é verdade? Quer coisa mais bonita que ser amante? Você ter uma amante que você pode contar com ela, ser amiga dela.”
O depoimento foi amplamente divulgado nas redes sociais e nos jornais de TV da época, que destacavam o uso da música de Roberto Carlos por Nelma. Mas, no caso de um filme com lançamento comercial, como o documentário para Netflix, a lei brasileira exige que o compositor dê uma autorização prévia para o uso da música.
Ao receber o pedido feito pela produtora responsável pelo filme, a equipe do cantor analisou primeiro a sinopse. “A música seria usada para ilustrar as cenas de uma mulher estelionatária que já havia sido presa. Roberto não libera mesmo”, informou ao Estadão a assessoria de imprensa do artista. O cantor recebe, segundo a assessoria, cerca de 200 pedidos de regravações de suas obras por mês, e sempre os submete a uma triagem. Se os pedidos forem para uso em trilhas de filme, uma sinopse precisa detalhar o contexto em que a canção será usada, e as características dos personagens envolvidos com a música.
Fora de contexto no cinema
O uso de canções fora de seus contextos originais, em filmes documentais ou ficções, não é uma novidade no cinema mundial. Singin’ in the Rain, de 1929, criada por Arthur Freed e Herb Brown e popularizada por Gene Kelly, em 1952, na clássica cena em que ele aparece cantando enquanto pula entre poças d’água, ressurgiu em 1971, no violento e distópico filme Laranja Mecânica. Integrantes de uma gangue invade a casa de um casal para espancá-los. Enquanto vandalizam o lugar e batem nas pessoas com tacos de basebol, um dos integrantes canta Singin’ in The Rain dançando como Gene Kelly.
Cidade de Deus, o filme, de 2002, retratou a tensa relação dos traficantes da comunidade de Cidade de Deus, no Rio, com policiais e moradores da comunidade. Em uma das cenas, uma criança com menos de sete anos de idade escolhe, diante de um jovem criminoso armado, se quer tomar um tiro no pé ou na mão. A criança que toma o tiro em cena foi preparada para chorar com realismo.
“Mandaram eu lembrar do dia em que eu perdi a minha mãe em um acidente de carro”, ele ele disse à época, em entrevista ao Estadão. A trilha sonora, intrigantemente bucólica, tem Azul da Cor do Mar, de Tim Maia; Alvorada, de Cartola, Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho; e Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda, de Hyldon.
Outra produtora pediu a liberação da música O Circo Chegou, de Jorge Benjor, lançada em 1973, para ser usada em uma produção fictícia batizada, justamente por causa da canção, de O Circo. Mas, ao saber da sinopse, o cantor negou a liberação por um detalhe, para ele, bem desagradável: a bailarina, personagem principal do filme, mas que é mencionada só de relance na música, morria no final. “Ninguém morre na música”, disse Jorge à época, para pessoas próximas.