De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

À espera de 'Eami'

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Por Rodrigo Fonseca
Longa paraguaio premiado em Roterdã explora a mitologia da menina-pássaro, tendo Jordana Berg em sua montagem - Fotos da MPM Premium  

Rodrigo Fonseca Um ano depois de sua estreia mundial, nas telas de Roterdã, de onde saiu com o troféu Tigre, o belo "Eami", joia paraguaia da diretora Paz Encina, não teve espaço em nossas telas, num lançamento comercial à altura de sua potência. Falta espaço em circuiro pro esplendor de sua mitologia indígena. Em 2006, ela encantou Cannes com "Hamaca Paraguaya", narrativa observacional sobre a rotina de um casal de lavradores que esperava o regresso de seu filho. Ganhou o Prêmio da Crítica, concedido pela Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica (Fipresci) por sua arquitetura visual. Sem abrir mão do requinte plástico, Paz ensaiou um novo dispositivo em seu olhar para o povo Ayoreo-Totobiegosode. Um povo que vive no Chaco, vasta região florestal que faz fronteira entre o país da cineasta, a Bolívia e a Argentina. "Para países como Paraguai, Bolívia ou Peru, os indígenas não estão tão distantes", explicou Paz ao Estadão, por email, no ano passado, antes de conquistar a láurea máxima de Roterdã. "Não temos que viajar uma hora e quarenta minutos para estar em contato com as culturas indígenas. Isso faz parte de nossa vida diária. No Paraguai, a gente se reconhece como descendentes de povos indígenas, embora isso não agrade certa parte da população. Temos o Guarani como nossa língua oficial. É uma língua indígena que nos determina completamente, faz parte de nossa vida diária, é nosso 'teko', algo que poderia ser traduzido como 'uma forma de ser'. Portanto, a abordagem que posso ter de uma população indígena não é algo tão abismal como às vezes se pensa. Seria mais difícil para mim abordar um japonês do que um indígena, com quem, é verdade, eu tenho a diferença de classe social, nossas necessidades são diferentes, nossas concepções espaço-temporais são diferentes, mas estou unido pela mesma sensibilidade. Esse foi um caminho muito forte para mim". O título de seu novo longa, Eami significa "floresta" na língua dos Ayoreo. Significa também "mundo". Para aquela população, as árvores, os animais e as plantas que os rodeiam há séculos são tudo o que eles conhecem. Mas eles encaram agora um desmatamento que ameaça tudo o que têm. Para retratar essa tragédia, Paz recorre ao mito de uma menina que vira uma deusa-pássaro, mesclando documentário e fábula em sua forma poética de narrar. A cineasta diz que "Hamaca Paraguaya" foi um filme 100% controlado por ela. Nos sets, Encina tinha o controle do tempo e dos movimentos. Ela montava uma trilha sonora que era tocada durante as filmagens e sobre a qual eles improvisavam uma coreografia. Ela controlava até os tons das vozes. Mas em "Eami", o controle não estava em mim, estava no Totobiegosode (na comunidade), especialmente nas crianças. A única coisa que ela podia controlar, mas apenas minimamente, era a decisão de que o filme teria uma narrativa em vários tempos. "Eu gosto de narrativas em que muitos tempos convergem, mas não inteiramente. E tempo para esse povo é muito mais eclético, e corre de acordo com outros parâmetros", explicou a diretora, lembrando que o Paraguai produz hoje de dois a três longas por ano, emplacando sazonais sucessos como "As Herdeiras" (2018). "Nós quase não temos tradição cinematográfica. Depois de quase 30 anos sem longas-metragens paraguaios, 'Hamaca Paraguaya' apareceu, quase como se fosse um milagre, mesmo para mim, e me colocou num lugar no cinema do meu país de 'um antes e um depois", diz a cineasta.

 

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Ao explorar a resiliência dos Ayoreo-Totobiegosode pelo prisma da menina-pássaro, Paz faz de Eami uma espécie de ensaio sobre sororidade, celebrando a força feminina da aldeia.

p.s.: Atenta em suprir a escassez de empresas do setor audiovisual na Baixada Fluminense, a Entidade Ambientalista Onda Verde localizada no Tinguá promove sua primeira oficina de cinema. Até julho, estará oferecendo a oportunidade para 50 jovens moradores da região com idade entre 17 e 29 anos mergulharem no segmento audiovisual com foco em educação ambiental. Com essa iniciativa temas como o monitoramento de água, coleta e reciclagem de resíduos sólidos e sustentabilidade, entre outros tão centrais na Agenda do Clima, estarão na pauta até o fim da oficina, quando será realizada uma mostra com a participação de quatro curtas metragens produzidos pelos próprios alunos, onde os roteiros selecionados começarão a ser trabalhados esse mês nas aulas de produção cinematográfica com a gestora cultural Rebeca Brandão. Infos na URL www.ondaverde.org.br/

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