
RODRIGO FONSECA Não sobra pedaço do peito da gente no lugar ao fim de "Avec Amour et Acharnement", filme mais visceral desta 72ª Berlinale - até agora - construído como um elogio à paixão em tempos de covid-19 por uma das mais consagradas realizadoras de nosso tempo Claire Denis. Filmado em 2020 numa Paris toda mascarada, pela convulsiva câmera de Eric Gautier, o novo longa da realizadora de "Nenette e Boni" (Leopardo de Ouro no Festival de Locarno, em 1996) é uma ode às cartilhas palavrosas do cinema francês moderno, mas antenado ao que se viveu na pós-modernidade, inclusive o trauma do coronavírus. No epicentro de um turbilhão emotivo estão a radialista Sara e o empresário Jean (vividos por Juliette Binoche e Vincent Lindon, ambos em erupção). A paz deles pode ser abalada quando um antigo amor do passado de Sara, François, vivido por Grégoire Colin, reaparece, desatando os nós de um querer que parecia muito bem amarrado. "Eu gosto muito do que o título em Inglês do filme, 'Both Sides of The Blade' (dois lados da lâmina), simboliza, pois há extremos nesse gostar", disse Claire ao Estadão, na Berlinale, ao responder sobre a belíssima trilha sonora do grupo Tindersticks. "A pandemia nos afetou muito, mundialmente, mas, na França, nem os produtores nem os distribuidores desistiram: a quantidade de filmes que fizemos nesse período da covid-19 mostra que a gente reagiu. Este filme, deve muito à confiança de Juliette e Vincent".

Na manhã deste sábado, a Berlinale teve a chance de conferir a força do cinema alemão moderno, com toda a elegância de sei academicismo: o misto de drama e thriller judicial "Rabiye Kurnaz vs. George W. Bush". Nele, o diretor Andreas Dresen bota a plateia no bolso à força de uma personagem que lembra Regina Casé em "Que Horas Ela Volta?" (2015): a mãe devotada a Rabiye. De origem turca, ela revira o governo alemão de baixo pra cima a fim de buscar a ajuda necessária para libertar seu filho de Guantanamo, onde foi preso injustamente logo após o 11 de Setembro. Meltem Kaptan é a atriz que vive Rabiye, esbanjando doçura e humor, mas sem abrir mão do som e da fúria inerentes ao instinto materno. Ela dispara aqui na lista de apostas para prêmios, ainda que o filme seja bastante convencional em sua narrativa, lembrando um bocado "Philomena" (2013), de Stephen Frears.