
RODRIGO FONSECA Há algumas tradições de San Sebastián (Donostia, na língua local, o Euskera) que seu festival anual nunca quebra, como a decisão de exibir, em sua última sexta-feira, um filme surpresa (estima-se que seja "A Mulher Rei", com Viola Davis), e a opção por sempre projetar o ganhador da Palma de Ouro de Cannes. Esse segundo quesito já está assegurado, com a presença de "Triangle of Sadness", do sueco Ruben Östlund, na grade do evento espanhol, na quarta-feira que vem. Essa é a segunda Palma dele num intervalo de cinco anos. A primeira veio em 2017, dada por um júri presidido por Pedro Almodóvar, para seu "The Square: A Arte da Discórdia", indicado ao Oscar, como Melhor Filme Estrangeiro. De 2001 para cá, o sueco nascido em 13 de abril de 1974 (48 anos), na região de Styrsö, em Gotemburgo, rodou dez filmes e três videoclipes, tendo despertado as atenções da indústria com "Força Maior", em 2014, que foi refilmado nos EUA com Julia Louis-Dreyfus e Will Ferrell. Seu regresso à competição da Croisette se dá agora com uma comédia com ácido sulfúrico, ambientada em alto mar. Irregular na forma, mas nada regulável em sua abrasividade, ao despejar as contradições de classe social em países endinheirados, o novo longa do cineasta é um ferocíssimo estudo sobre a soberba dos que detêm as riquezas do planeta, construído a partir de uma agilíssima estrutura de montagem. A Rússia de Putin vira saco de pancada nos diálogos, representada na figura de um milionário eslavo escroque. Woody Harrelson brilha no papel do capitão cachaceiro de um cruzeiro que vai naufragar, assim como a Europa espelhada no roteiro. Além da Palma, "Triangle of Sadness" ainda recebeu o prêmio anual da CST - Commission Supérieure Technique de l'Image et du Son para sua engenharia sonora. A partir de agora, Östlund se junta a um seleto time de realizadores com duas Palmas. São dez ao todo. Ao lado dele estão: Ken Loach (por "Eu, Daniel Blake", em 2016; e "Ventos da Liberdade", em 2006); Francis Ford Coppola (por "A Conversação", em 1974; e por "Apocalypse Now", em 1979); Shoei Imamura (por "A Balada de Narayama", em 1983; e por "A Enguia", em 1997); Bille August (por "Pelle, o Conquistador", em 1988, por " As Melhores Intenções", em 1992), Emir Kusturica (por "Quando Papai Saiu Em Viagem De Negócios", em 1985; e por "Underground - Mentiras de Guerra", em 1995); os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne (por "Rosetta", em 1999; e por "A Criança", em 2005); Michael Haneke (por "A Fita Brabca", em 2009; e por "Amor", em 2012); e Alf Sjöberg (por "Tortura de um Desejo", em 1946; e por "Senhorita Julia" in 1951). "Parto sempre se situações simples do dia a dia para traduzir o absurdo que nos cerca", disse Östlund ao Estadão em Cannes. "Não quero fazer um cinema da pose, da arrogância. Quero incluir as pessoas no meu debate". Ao receber a Palma por "Triangle of Sadness", Östlund anunciou que seu próximo longa vai se passar em um avião em pane. Quem sabe não leva, ainda, a láurea de júri popular da mostra Perlak de San Sebastián. Neste sábado o evento confere, em sua competição oficial, na disputa pela Concha de Ouro, "Resten Af Livet", ou "Forever", do inquieto Frelle Petersen, sobre um casal às voltas com o luto.