Foto do(a) blog

De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

'Tungstênio': expressionismo à baiana

PUBLICIDADE

Por Rodrigo Fonseca

RODRIGO FONSECA

PUBLICIDADE

Neorrealista no papel, com ecos de "Stromboli", a graphic novel "Tungstênio", HQ nacional mais badalada mundo afora nos últimos anos, virou um filme doido, daqueles que fervem de tanta vida, tingido de tintas expressionistas pelas mãos de Heitor Dhalia. O artesão de "Nina" (2004) está de volta, 14 anos depois, sem o cinzel apolíneo que usou em "Serra Pelada" (2013). Do gibi defumado a Barravento de Marcello Quintanillha, ele tirou um "Gabinete do Dr. Caligari", com planos fechados nos olhos esbugalhados de José Dumont. A Bahia deste experimento cinematográfico é assimétrica, diagonal, cheia de closes em rostos de arquitetura feral. Com estreia nesta quinta, o longa-metragem - politicamente gauche como "O Cheiro do Ralo" foi à sua época, 2006 - é uma experiência de quadrinização de mundo, de trocar a mímese fotográfica pelo figurativo imaginativo do descontrole. E a narração de Milhem Cortaz - a voz de Quintanilha - só deixa esse exercício mais claro.

Centrado em diferentes histórias, de diferentes tempos, de quatro personagens (um ex-milico, um tira, sua mulher e um quase traficante), "Tungstênio" é um caleidoscópiosocial. Algo parecido com o que Nelson Pereira dos Santos fez em seu "Rio 40 Graus" (1955): uma reinvenção do neorrealismo pelas vias da geopolítica. Neste "Bahia 40 Graus", temos uma radiografia da exclusão pela ótica do pop, expressa na fotografia à moda Fritz Lang de Adolpho Veloso. Fala-se de racismo, de determinismo e de Bolsonaro. Zé Dumont prova, de novo, ser um ator acima de qualquer parâmetro, no papel de um sargento aposentado.

Coprodutor do projeto, Fabrício Boliveira faz, no papel do tira Richard, algo que só Milton Gonçalves (em "O Cobrador" e "Um Trem Para as Estrelas" fazia (o que não é pouco): dar uma dimensão trágica a um polícia de ethos reprovável. Sua atuação repagina o heroísmo.

É o filme que Dhalia nos devia há uma década: simples, reto, inquieto e MUITO bem atuado.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.