Com frequência homenageado como o grande poeta brasileiro vivo, Ferreira Gullar prepara-se para ver encenados dois de seus textos para teatro. Um Rubi no Umbigo, escrito há 41 anos e montado uma única vez, em 1979, estreia dia 19 de agosto, no Rio. O Homem Como Invenção de Si Mesmo, monólogo inédito que ele finalizou ano passado, está em fase de captação e deverá ganhar um palco paulistano nos próximos meses.Gullar, festejado por seus 80 anos em 2010, quando recebeu o Prêmio Camões, arrisca dizer que tenha sido a última peça a levar sua assinatura. "Meu principal modo de expressão é a poesia", diz, concluindo não ter "compromisso de escrever para teatro". A declaração foi feita na última quinta-feira, dia em que esteve na Academia Brasileira de Letras para mais uma láurea: o Prêmio Machado de Assis na categoria infanto-juvenil, pelo livro Zoologia Bizarra.Um Rubi no Umbigo, cuja montagem original foi dirigida por Bibi Ferreira, tendo Rogério Fróes, Ana Lúcia Torre e Osmar Prado no elenco, fala de um rapaz de 20 anos que, desde bebê, tem encravado no umbigo um rubi valiosíssimo. A pedra fora colocada para lhe salvar a saúde; muitos anos depois, quando o dinheiro aperta, acaba por virar objeto de cobiça de sua família. Sua vida passa a correr risco."A história saiu de uma notícia que eu li no jornal. O final era muito para baixo, então troquei por outro mais leve. Na época, meu amigo Zuenir Ventura veio brincar comigo: "Se isso é comédia, não me chame quando você fizer uma tragédia!", contou Gullar. A nova versão, com Stela Freitas, Claudio Mendes e outros cinco atores, e direção de André Paes Leme, fica até o dia 4 de setembro na Caixa Cultural (Avenida Chile 230, centro do Rio). O Homem Como Invenção de Si Mesmo parte da ideia, defendida há muito pelo poeta, de que a vida do homem é ele quem inventa. No monólogo, o ator desenvolve essa noção escrevendo uma peça sobre o assunto. "É genial, como tudo o que ele faz. Fala de Da Vinci a Arthur Bispo do Rosário, trata de religião, arte, cultura. Tem muita ironia e comentários ácidos sobre o comportamento humano", adianta o diretor, Robson Phoenix. Osmar Prado volta a encenar Gullar. Os créditos têm outros nomes de peso confirmados, segundo Phoenix: o cenário será do artista plástico Siron Franco, e a trilha sonora, de Adriana Calcanhotto. Os produtores já conseguiram a chancela da Lei Rouanet, e agora procuram patrocínio para estrear entre o fim de 2011 e o início de 2012. O projeto prevê a partida, depois de São Paulo, para o Rio, cidade com a qual o poeta comemora, neste 2011, 60 anos de vida comum.Gullar virou dramaturgo no Grupo Opinião - do qual foi fundador -, na década de 1960, já depois de publicar livros e o Manifesto Neoconcreto. As peças mais conhecidas tiveram coautores. Com Vianinha, em 1966, fez Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come, um marco do teatro brasileiro (rendeu-lhe o primeiro Molière; o segundo viria em 1985, pela tradução de Cyrano de Bergerac). Com Dias Gomes, em 1968, fez Dr. Getúlio, Sua Vida e Sua Glória. "A censura estava dizimando o teatro e o Vianinha disse: "Temos que fazer uma peça que passe, e tem que ser uma obra-prima da literatura teatral. Se fizermos em versos, vão ver que é obra de arte"", relembra. "Já o Dias Gomes teve a ideia de escrever a vida do Getúlio como enredo de escola de samba. Só que ele não entendia nada de desfile, e eu, sim, então fiz a letra". Um Rubi no Umbigo foi a primeira só sua. Outras três seguem inéditas: Um Romance Nordestino, Mal Chegava a Primavera e outra, sem título, da mesma época.
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