Reforma, História e sexo

A experiência, diz uma psicóloga, ensina que em casa sem sexo as pessoas fazem obras o tempo todo

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colunista convidado
Foto do author Leandro Karnal
Atualização:

Vai construir ou reformar? Não comece a obra sem consultar um bom livro de História. Sim, você leu direito, minha querida leitora e meu estimado leitor. Nenhum cimento deve chegar ao seu lar sem que um historiador seja consultado.

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Vamos às lições da História para obras. Primeira lição: planos ambiciosos de novos espaços podem causar impopularidade. Cuidado com o equilíbrio orçamentário. O imperador Shah Jahan que construiu o Taj Mahal, em memória da sua amada esposa, foi encarcerado pelo filho. Colaboraram os custos exorbitantes da obra e os planos de uma possível nova construção. Interditado politicamente pela ambição arquitetônica! Dizem que morreu olhando, ao longe, sua obra.

Construção veloz e com pressão costuma ser acompanhada de gambiarras. Transformar o pavilhão de caça do pai em um suntuoso palácio, em tempo curto, fez com que Luís XIV demandasse muito seus arquitetos. Muitas vezes, as paredes e acabamentos foram produzidos de forma menos sólida para atender ao desejo do rei. Pior: o plano de uma casa bem isolada do agito de Paris pode ter provocado, no futuro, o fim da dinastia.

O mesmo é dito da Cidade Proibida, em Beijing. Isolamento geográfico tem um custo para o sistema político. Cuidado ao comprar um sítio no meio do nada!

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Continuo no governo do Rei Sol. Ainda antes do esplendor de Versalhes, Nicolas Fouquet decidiu fazer um novo palácio e cometeu o erro de dar uma festa mais suntuosa do que seu chefe poderia oferecer. A festa impressionou a corte francesa e acabou despertando tantos rumores de corrupção que o ministro foi preso. Cuidado com aquilo que você simboliza com sua nova moradia!

O imperador Shah Jahan que construiu o Taj Mahal, em memória de sua amada, foi preso pelo próprio filho Foto: Pawan Sharma/AFP

Voltemos mais. O imperador Nero tinha decidido fazer um palácio novo e suntuoso: a Domus Aurea. Foi um dos muitos motivos da sua impopularidade e de seu fim trágico. O presidente Lincoln quase rompeu o casamento, pois sua esposa resolveu fazer mudanças na Casa Branca, em plena Guerra Civil. Milhares morrendo e ela pensando em cortinas novas... Reformas podem desgastar matrimônios.

Dizem que os custos da nova Basílica de São Pedro, em Roma, foram um dos motivos para a ruptura liderada por Lutero. Seria correto pensar que manter a velha basílica teria conservado a unidade da Igreja? Uma obra causou um cisma? Religiões e famílias podem dividir-se entre canteiros de cal e cimento.

Obras podem durar um pouco mais do que o previsto. A catedral de Colônia serve de consolo para o novo piso da sua cozinha estar tão arrastado: começou no século 12 e terminou em 1880. Foram mais de 630 anos de idas e vindas. Minha amiga empreendedora e meu amigo, com ímpetos de construção: consolados?

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O esforço pela nova catedral de Siena foi interrompido pela Peste Negra. No Mosteiro da Batalha, em Portugal, há as chamadas “capelas imperfeitas”, inacabadas, por motivos variados. No mesmo país, o rei d. José fez um novo teatro de ópera moderno e suntuoso. Mal inaugurado, veio abaixo com o terremoto de 1755. Em função do mesmo desastre natural, a igreja do Carmo ainda é uma ruína em Lisboa.

Como vimos em pinceladas históricas, obras podem detonar carreiras, afundar dinastias e consumir tesouros. O tempo da reforma ou da construção é sempre muito superior ao previsto. O orçamento com que principiamos o sonho, quase sempre, fica aquém do inflado custo final. Ao final, com sorte, você tem uma casa reformada (ou construída) e uma família desgastada sobre um patrimônio dilapidado gravemente.

Em resumo, minha amiga reformadora e meu amigo construtor-leitor que me leem: pensem muito antes de construir ou reformar. Os desafios são inúmeros, o mundo é mutável, a terra treme, os outros invejam, a verba termina, os projetos soçobram e a ideia original naufraga. Pior, quase sempre desperta um fascista adormecido em muitas pessoas ao lidarem com mão de obra.

Em geral, ao começar a reforma, exaltamos a evolução das leis trabalhistas e as novas ideias de dignidade do trabalho. Ao final, nossa simpatia está, no mínimo, menor, quando não agressivamente inimiga da espécie humana. O papel de parede descolou? Cole você mesmo. A parede poderia ser derrubada? Imagine que ela possa ser estrutural e está, ali, há tanto tempo feliz.

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Contrariando tudo o que eu disse até aqui, estava comprando algumas coisas em uma loja de materiais de construção, em São Paulo. Vi uma novidade: o passeio na loja era um animado programa familiar. As pessoas estavam felizes, discutindo compras em carrinho. Porém, reconheço, a História registra mais Luís XIV e seu ministro do que o cidadão comum que estava pintando com cal a parede da sua casa. Em outros recortes, a reforma pode ser um projeto de unidade familiar e até fazer surgir um passeio feliz em um sábado à tarde na Marginal do Tietê.

Para encerrar a reflexão, lembrei-me da frase de uma amiga psicóloga que talvez seja válida para reis e plebeus ao encararem uma obra. Ela dizia, sem base científica absoluta: “Em casa sem a existência de sexo regular, as pessoas fazem obra o tempo todo”. Será? Fica o desafio para pensar sua obra, a esperança de finalizá-la ou suspendê-la com luxúria.

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