Renata Sorrah e sua Lady Macbeth, de Shakespeare

Depois do Rio, ela traz a SP sua malévola personagem e fala sobre a peça ao diretor Gabriel Villela

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Por Redação
Atualização:

Gabriel Villela especial para o 'Estado'

 

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SÃO PAULO - "Uma atriz é o que o seu currículo diz", declarou certa vez Cleide Yáconis a Walderez de Barros. Renata Sorrah é uma espécie desta afirmação somada ao talento de Vanessa Redgrave e Judi Dench. E se eu fosse a rainha da Inglaterra a sagraria ‘Dame’ do teatro nacional. Contou-me um dia Maria Siman, produtora do espetáculo Macbeth, que Glória Menezes chamou a atriz carinhosamente assim: "Renata é um passarinho assustado!" Sua Lady Macbeth, nesta versão de Aderbal Freire-Filho, que estreia no Sesc Pinheiros na sexta-feira, para uma curta temporada, é estupenda, original, superlativa. Como Renata é na vida. Ou como a vida é estupenda, original e espetacular com ela.

 

Gabriel Villela - Você fez Mary Stuart e agora é Lady Macbeth. Duas vezes rainha da Escócia? É bruxaria, destino das grandes atrizes ou coincidência mesmo?

Renata Sorrah - E como são duas histórias próximas, não é? O filho de Mary Stuart foi para quem Shakespeare escreveu Macbeth. Foi um filho que não ligou muito pra mãe dele, meio que a deixou morrer, porque seria rei depois disso. São duas mulheres fortes, devastadoras. Mary é encantadora, Lady Macbeth é assustadora.

 

Renata Sorrah como Lady Macbeth, na versão de Aderbal Freire Filho. Foto: Divulgação

 

Villela - Medeia e Nazaré. Sobrou matéria-prima para a sua Lady Macbeth?

Renata - Sobrou, sim. Cada trabalho vai nos engrossando o caldo, mas agora é a vez de Shakespeare, o genial. No começo, pensei: "Meus Deus, como é que eu vou fazer?" Grandes atrizes já fizeram essa Lady. Judi Dench já fez... Outras tantas. Imagina? Mas decidi procurar o que há de humano nessa personagem. Não era possível que ela fosse uma mulher só malévola, fria...

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Villela - Como tem sido comum nas montagens do Aderbal, em Macbeth a coxia também está sempre aberta para o público. Neste espetáculo, você fica sentada lá, à vista o tempo inteiro. Muitas vezes, me peguei olhando em sua direção. Você tem noção da potência dramática e do seu carisma no palco?

Renata - Eu me sinto fazendo parte de tudo. Nunca entendi esse jeito antigo de fazer teatro: com os atores conversando no camarim, esperando sua vez de entrar na cena. Adoro ver o Daniel Dantas atuando, observar como ele foi crescendo durante a temporada, perceber a linha de raciocínio do personagem.

 

Villela - Há uma inteligência manipuladora na atuação de sua personagem. Você vai levando Lady Macbeth como quem leva, nas costas, um tigre dominado.

Renata - A peça tem aquela cena em que ela desmaia. Shakespeare é incrível, ele não explica nada aos atores, não há rubricas, notas de rodapé... Então a gente não sabe por que ela desmaia. Eu, pelo menos, até hoje não sei. E não faz mal. Acho adorável não precisar saber de tudo. E faço do meu jeito: com um acúmulo de sentimentos que eu acho que ela tem.

 

Villela - A amoralidade de Lady Macbeth, articulando os meios para conquistar um fim - isso hoje não cabe no conjunto de regras do mundo ocidental.

Renata - É verdade. Eu acho que se ela fosse tão fria e má, não teria pedido apoio e força para todos os piores espíritos do mundo: "Venha, engrosse o meu sangue, tire meu sexo, seque meu leite, não quero ser feminina, quero ter todas as qualidades masculinas, coragem, força, não hesitação." E o Macbeth, que é sanguinário e facínora, hesita diante de coisas que ela não hesitaria. Acho isso muito lindo nela.

 

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