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Nós glorificamos o novo, mas, quando ele surge, o tratamos como se fosse uma coisa do outro mundo

‘Certo, Hegel! Mas me diz uma coisa: o Clarck Kent sabe que você sabe que ele é o Super-Homem?’

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Por Roberto DaMatta
2 min de leitura

Como pode? Você conseguiu novamente, disse um amigo a Hans Hegel, autor de colunas semanais para o Planeta Diário, de Metrópoles, onde era colega de Clarck Kent.

Você é muito generoso, replicou Hans. Vou te dizer um segredo: o mais difícil é pescá-las, escapando do que surge como “questões” a serem revolvidas...

Aí, meu caro, você já sabe antecipadamente sobre o que escrever. Os “peixes” estão na rede e não falar alguma coisa pode ser um sinal de medo ou de “alienação”.

Nós glorificamos o novo e, no entanto, quando ele surge, nós o tratamos como se ele fosse coisa do outro mundo.

'Certo, Hegel! Mas me diz uma coisa: o Clarck Kent sabe que você sabe que ele é o Super-Homem?' Foto: Paulo Liebert/AE

O novo desperta curiosidade porque é procurado e premiado, mas quando chama muita atenção pode ofender. Então ele detona uma corrida para torná-lo rotineiro. Mas certos eventos - como a pandemia, o terrorismo e a guerra -, nascidos das nossas contradições, são desafiadores. É muito difícil colocá-los num lugar.

As pessoas “esquecem” que o novo é parte de uma totalidade, prosseguiu Hegel. O novo pode ser um exagero, ou alguma coisa que saiu da toca onde nós o escondemos, como o terrorismo e a corrupção.

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Como esperar harmonia num mundo estruturado por diferenças, que se projetam em propriedade individual ou nacional - esse núcleo duro de todas as guerras?

Certo, Hegel! Mas me diz uma coisa: o Clarck Kent sabe que você sabe que ele é o Super-Homem?

Hans Hegel não hesitou. Essa duplicidade, contou, é o seu problema. No planeta de onde veio, uma pessoa é sempre fiel a si mesma e, como lá não há sete mil e tantas línguas e visões do mundo, como aqui, não há contradições. Mas, entre nós, ele esconde seus superpoderes. Já imaginou um “político” dotado de visão raio X e voando?

Então o Clarck vive como um terráqueo - um ser duvidoso. Ele tem uma amarga consciência dessa hipocrisia. Eu penso, completou Hans Hegel, que ele até mesmo dúvida do amor da Miriam Lane; e quando eu assegurei ao Clarck que esse amor era sincero, ele respondeu:

“Ela me ama tanto quanto vocês querem a paz”.

Foi o que pesquei com Hans Hegel. Um amigo duplo do cronista duplo de um duplo mundo, onde tudo tem um significante e um significado.

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