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Coluna semanal do antropólogo Roberto DaMatta com reflexões sobre o Brasil

Opinião | Trump posa de justiceiro. Mas Trump, my friends, é malandro

Com uma nova cortina de ferro, presidente dos Estados Unidos revela ignorância do significado social das trocas e da solidariedade entre países e pessoas

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Foto do author Roberto DaMatta

“A fatalidade definitiva, a maior tara que pode afligir um grupo humano e impedi-lo de realizar plenamente a sua natureza, é estar só.” Claude Lévi-Strauss

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Na Idade Média, indulgências eram um engenho religioso que antecipava mecanismos capitalistas, revelando como preces e doações para a Igreja Católica seguiam a lógica do comércio. Na contabilidade celestial, as indulgências permitiam subtrair os “tarifaços” dos pecados, aliviando castigos no Purgatório. Penas que São Pedro, o guardião da porta do Céu, arbitrava.

Exatamente como hoje faz o presidente Donald Trump, com suas espalhafatosas tabelas tarifárias nos braços, numa grosseira imitação de Moisés com as Tábuas da Lei. Trump posa de justiceiro de um tapeado Estados Unidos, o país mais rico do mundo!

É radical a diferença com São Pedro, pois, enquanto Pedro contabiliza positivamente, Donald – o profeta do Maga e do isolamento racista – julga países parceiros como infames competidores comerciais num insulto para quem é o presidente da nação que inventou a interdependência da esfera comercial.

O presidente americano Donald Trump nesta terça-feira, 15 Foto: Manuel Balce Ceneta/AP

Quando Trump apresenta o maior e mais rico país do mundo como vítima do Canadá e do México, cujo território foi “anexado” pelo imperialismo americano, e, simultaneamente, expulsa e faz campanha contra os imigrantes que fabricaram os Estados Unidos, ele instala na América uma inimaginável Cortina de Ferro!

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Em 1946, Winston Churchill cunhou a expressão “Cortina de Ferro” para definir a separação entre o totalitarismo soviético e a liberdade do universo capitalista. Cortina que o inconsciente da direita republicana recria entusiasticamente com o movimento Maga, que é um programa isolacionista no qual os EUA fecham suas fronteiras e invertem a ideologia liberal e libertária do capitalismo comercial. É mais do que imaginou George Orwell. É o capitalismo liberal recriando o seu avesso – o Grande Irmão e a ditadura dos bilionários. A propósito, um lado meu ainda espera que Trump compre a Casa Branca e a Estátua da Liberdade.

Cortina que hoje seria um abismo entre um mundo que o país que Trump governa globalizou com o esforço tecnológico e capitalista da simultaneidade digital.

A questão maior, porém, não fica somente na burrice de um tarifaço compadre do suicídio. Pois revela uma densa ignorância do significado social das trocas e da solidariedade que elas engendram.

PS: Meus amigos americanos estão aturdidos. É que lá o puritanismo do tudo ou nada liquidou a malandragem e o malandro do mais ou menos e do cinismo. Trump, my friends, é malandro!

Opinião por Roberto DaMatta

É antropólogo social, escritor e autor de 'Fila e Democracia'

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