A 27.ª Bienal de São Paulo abrirá as portas para o público em outubro, mas na prática ela começa hoje e sábado com o primeiro dos seis seminários internacionais a serem realizados ao longo do ano para discutir aspectos da produção contemporânea a partir de idéias chave adotadas para o evento, que ganha o sugestivo título de Como Viver Junto(inspirado numa série de seminários proferidos em 1977 por Roland Barthes no Collège de France). Esse primeiro encontro será dedicado ao trabalho do artista belga Marcel Broodthaers (1924-1976), figura influente da arte conceitual morto há exatos 30 anos. As vagas para esse primeiro seminário já estão preenchidas, mas o evento será transmitido on-line pelo site do Fórum Permanente de Museus (www.forumpermanente.org.br) - informações também pelo site bienalsaopaulo.globo.com. Além da importância de sua obra no cenário contemporâneo e sua utilidade para se pensar questões como a relação entre arte e comunicação, visualidade e discurso - questões que certamente se sobressairão nesta edição do evento -, a escolha de Broodthaers para abrir os seminários deve-se a uma profunda coincidência de calendário. O poeta, livreiro, colecionador e só mais tardiamente artista, nasceu e morreu no mesmo dia: 28 de janeiro. E a curadoria do evento não quis perder o impacto de abrir uma série de discussões sobre sua obra neste mesmo período. Durante dois dias, sob a coordenação de Jochen Voltz, serão postos em pauta aspectos diversos abordados pelo belga como a crítica acirrada às instituições museológicas, a diversidade de meios explorados por ele e o uso da arte como forma de ação e crítica social e política. A proposta dos seminários deriva do incômodo que sempre causou à curadora geral da 27.ª Bienal, Lisette Lagnado, o caráter excessivamente efêmero do evento, espremido em pouco mais de dois meses, sem que fosse possível - em meio àquele espetáculo - encontrar espaço para discutir mais profundamente o que vinha sendo mostrado. Ao iniciar bem cedo os debates e dissolvê-los ao longo do ano, estimular a freqüência (os participantes que forem assíduos receberão atestados de participação) e a diversidade, a intenção é ir construindo ao longo do tempo a própria proposta da Bienal. ?A idéia é a troca?, resume a curadora. Não serão trabalhados apenas grandes nomes, como Broodthaers. A cada um dos co-curadores da exposição (Lisette faz questão de falar que tudo é decidido de forma colegiada pela equipe curatorial) coube organizar um encontro. Os seminários tratarão de temas amplos como Arquitetura (organização Adriano Pedrosa); Reconstrução (Cristina Freire); Vida Coletiva (Lisette Lagnado); Trocas (Rosa Martinez) ou surpreendentemente reduzido do ponto de vista geográfico, mas de grande efeito simbólico por evidenciar a riqueza da produção distante dos grandes pólos, como no Acre (José Roca). A partir das discussões entre a equipe curatorial e o resultado dessas conversas é que se dará, na prática, a mostra da 27.ª Bienal. Inicialmente, o projeto deveria ter sete módulos, mas a estrutura foi bastante enxugada, permanecendo dois grandes blocos, com estreita correspondência com a trajetória de Hélio Oiticica (1937-1980). O artista carioca, cuja obra foi bastante estudada por Lisette, serve como uma espécie de matriz teórica da mostra (juntamente com os textos de Barthes). Curiosamente, não há no momento previsão de nenhuma grande exposição de Oiticica no evento. O primeiro bloco, que corresponderia a primeira fase da obra do artista, anterior a sua exposição na Whitechapel de Londres, em 1969, intitula-se Projetos Construtivos e mantém relação com a questão do habitat, ?as arquiteturas, mapas, ficções imaginárias de caráter utópico?, explica a curadora. O segundo núcleo, chamado de Programas para a Vida remete mais ao lado underground do artista, a fase de rupturas e experimentações vivenciadas em Nova York, com trabalhos como Cosmococa. Neste núcleo se encaixariam, por exemplo, obras de artistas que tentam passar além dos limites do circuito, estabelecendo ?parcerias? criativas com não-artistas. Sem querer adiantar os nomes dos que participarão da mostra, Lisette adianta que haverá grande enxugamento nas participações. A decisão de não mais ter as tradicionais ?representações nacionais? - caberá não mais as instâncias curatoriais e diplomáticas a escolha dos representantes deste ou daquele país, mas ao comitê de curadores da própria Bienal - e o desejo de realizar pequenas exposições dos artistas convidados ao invés de um pout-pourri com uma obra de cada um deve reduzir e muito a lista de participantes. Atualmente, estima-se que a lista girará em torno de uma centena de expositores. Incluindo aí os brasileiros que dificilmente representarão mais do que 20% da lista total. Sem querer adiantar algumas hipóteses para a lista ainda em formação, Lisette confirma apenas que deverá ser dada prioridade a artistas em meio de carreira (entre 30 e 40 anos). Como a Bienal tem um caráter consagratório, devem ser priorizados aqueles artistas que já tem uma obra relativamente madura, mas ainda não alcançaram espaço no circuito internacional. Quanto aos mais jovens, devem ser contemplados por mostras paralelas programadas para o mesmo período da Bienal. O Instituto Tomie Ohtake, por exemplo, estaria planejando uma mostra contemplando a produção brasileira entre 1995 e 2005. Aliás, este ano a sinergia entre as instituições paulistanas parece que vai funcionar bem. Dois parceiros estreitos já foram anunciados por Lisette. A Pinacoteca exibe a retrospectiva do artista argentino Léon Ferrari, que causou grande polêmica ano passado em Buenos Aires, ao mesmo tempo em que a Bienal mostra trabalhos mais recentes. A Cinemateca também terá importante participação, sediando mostras de vídeo e cinema, assim como alguns espetáculos de dança e performance. Entre os destaques internacionais, como Broodthaers, há outros dois nomes confirmados: Dan Graham (1942) e Gordon Matta-Clark (1945-1978), ambos pertencentes a essa mesma geração de Hélio, que explodiu na década de 60 e ajudou a transformar a arte contemporânea no que ela é hoje. No caso de Matta-Clark há ainda uma grande coincidência: em suas pesquisas Lisette afirma ter descoberto uma grande amizade com Oiticica (confirmada pela viúva de Matta-Clark) e uma incrível lacuna. Mesmo filho de chileno - o célebre pintor Roberto Matta -, ele nunca teria exposto sua obra na América do Sul. Apenas seus filmes teriam sido exibidos por aqui. A vez em que passou mais perto de fazê-lo foi em 1971, na própria Bienal de São Paulo, mas acabou participando ativamente do movimento de boicote liderado à época por Mário Pedrosa como crítica à ditadura militar. I Seminário Internacional da 27.º Bienal de São Paulo: Marcel, 30. Auditório Fundação Bienal. Av. Pedro Álvares Cabral, s/n.º, Pq. do Ibirapuera, portão 3. Hoje, a partir das 19 horas; amanhã, das 10h às 18h. Informações: 5574-5922 r. 257
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