‘Gente muito rica não fica necessariamente doida. Mas acontece muito’, diz criador de ‘Succession’

Jesse Armstrong fala sobre o sucesso da série, que terminou consagrada indicada a 27 Emmys. Ele diz que buscou ter ‘empatia’ com bilionários ‘Eles são pessoas ruins, mas não têm muitos amigos e estão desamparados’

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Por Alexis Soloski

THE NEW YORK TIMES -Jesse Armstrong nem sempre soube como Succession iria terminar. Mas ele sabia a sensação que o final deixaria. “Sempre foi um pouco uma série sobre a mortalidade humana e a mortalidade desses tipos de operação de mídia”, disse ele. Já no piloto, acrescentou ele, “eu sabia qual seria o tom do final”.

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Succession, que durou quatro temporadas na HBO, exibiu seu último episódio em 28 de maio. A temporada final recebeu impressionantes 27 indicações ao Emmy – o recorde deste ano – entre elas a de melhor série dramática, que prêmio que já ganhou duas vezes. A história se centrava em Logan Roy (Brian Cox), o senhor supremo de uma mídia conservadora e um império de parques temáticos, além de seus filhos e seus parasitas.

Sardônica, invernal e profana, a série foi uma mistura incômoda de sátira e tragédia, intriga corporativa e drama profundamente humano. Cada episódio inspirou uma enxurrada de memes e artigos de reflexão. E embora nenhum dos personagens parecesse desfrutar de sua riqueza obscena, seu estilo – apelidado de “luxo silencioso” ou “riqueza furtiva” – gerou inúmeras imitações.

Em uma manhã recente, em um hotel do Brooklyn um pouco plebeu demais para os Roy, Armstrong estava sentado à mesa do café de camisa azul marinho amarrotada e calças que quase combinavam. Ele estava na cidade para receber o Founders Award do Emmy Internacional. “Acho que é um daqueles prêmios honorários para pessoas em fim de carreira que estão sendo descartadas”, disse ele, com a autodepreciação tipicamente inglesa.

Jesse Armstrong, criador de 'Succession' Foto: REUTERS/Andrew Kelly

A greve dos roteiristas impediu Armstrong de se envolver em muitas discussões sobre o fim de Succession quando o final foi ao ar seis meses atrás. (Ele passou a greve se recuperando em Londres). No entanto, o tempo não embotou o brilho bege de Succession. Em janeiro, a série provavelmente vai dominar o Emmy Awards – todo o elenco principal recebeu indicações e Armstrong ganhou duas, por roteiro e como produtor executivo – e nenhuma outra série veio para substituí-la na consciência cultural. As modas vêm e vão, mas o interesse pelos ultrarricos e suas batalhas internas é eterno.

Tomando um expresso – não o primeiro do dia – e com pausas ocasionais para cuidar de cãibras nas pernas (ele tinha passado a manhã jogando futebol no McCarren Park), Armstrong falou sobre marxismo, riqueza extrema e se algum desses personagens era minimamente agradável. Aqui vão trechos editados da conversa.

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A questão primordial era quem sucederia Logan Roy. A série poderia ter terminado sem responder?

A maioria dos espectadores tem outros prazeres além da corrida de cavalos. Mas não é ilegítimo assistir à corrida de cavalos e se perguntar quem vai vencer. Era o tipo de pergunta que eu fazia na sala dos roteiristas: “Como seria se não déssemos um sucessor? Seria interessante?” Depois de um processo de discussão com pessoas inteligentes, a gente pensou: “Não, seria bem irritante. Não vamos fazer isso”. Uma das razões para encerrar a série é que ela começa a ficar ridícula ou irritante quando você adia demais essa decisão.

Gosto de pensar que sou alguém com uma boa dose de empatia. Fiquei querendo ter empatia pelos personagens, mas desisti. Estou errada?

Nunca foi uma preocupação para nós. Talvez fosse um defeito do nosso processo de trabalho. Talvez eu pudesse despertar a empatia do público por alguém, mas não queria fazer isso na série. Soaria falso. É uma série com dinâmicas familiares específicas e com essa relação com o poder e o dinheiro. Tudo fluía disso. Não era “Oh, vamos tentar afastar as pessoas ou atraí-las”. Era só “Vamos mostrar essas pessoas e ver o que acontece”. Às vezes aconteceu de a gente dizer: “Será que não é uma coisa horrível demais para se fazer?” Mas, quando isso acontecia, a gente sempre falava: “Vamos nessa”.

Qual é a sua atitude em relação à riqueza?

Tenho a ideia europeia de que uma sociedade mais igualitária deixa todo mundo mais feliz. É uma formulação bem básica. Mas me sinto um pouco ridículo dizendo isso. Não é muito saudável esse enorme acúmulo de riqueza, é?

Será que esse acúmulo não está deformado as pessoas?

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Boa pergunta. Acho que tudo é possível para o ser humano. Existe gente muito rica que tem uma relação empática com o mundo. Algumas pessoas usam seu poder para um bem maior. No nível psicológico, não necessariamente deixa as pessoas doidas. Mas acontece muito.

A série tem uma visão mais psicológica do que marxista. Este é o nível em que tenho muita empatia pelos personagens e espero que o público também tenha. Eles são muito ruins. Fazem coisas ruins. Mas você vê de onde eles vêm psicologicamente. É uma das tragédias da vida dessas pessoas. Elas não têm muitos amigos. Vivem vidas internacionais desenraizadas. Estão profundamente desamparadas. Uma das poucas coisas que elas têm é a família, que exerce um magnetismo incrível para elas. É como se elas estivessem sempre conectadas a um soro intravenoso e não percebessem que há uma porcentagem de veneno no soro. Elas não estão melhorando com o soro. Estão ficando mais doentes.

Succession geralmente não mostrava os personagens desfrutando de sua riqueza. Por que não?

Tomamos a decisão de tentar não glamourizar a riqueza. Muitos dos espaços que essas pessoas habitam, hotéis cinco estrelas e jatos particulares, não são um mundo bonito de verdade. Isso veio da pesquisa. Esses mundos não têm muita diversão. As pessoas estão sempre pensando no comunicado à imprensa e não no prazer. Não veio do preceito de que riqueza não deixa ninguém feliz. Provavelmente deixaria. Mas não para essas pessoas.

Brian Cox como Logan Roy em Succession Foto: Peter Kramer/HBO

A paixão dos espectadores pela série surpreendeu você?

Pensamos muito nisso. E, sim, há muito o que debater. Agora voltei, vi e li coisas interessantes sobre a série. Na época, fiquei de fora da maioria das reações, porque não adiantava saber o que as pessoas estavam pensando. Às vezes a gente fica um pouco fora de forma. Eu gosto das críticas. Acredito que a crítica é uma parte importante para manter o mundo cultural funcionando. Mas não vi muita coisa antes do final da série.

Você leu o artigo que escrevi dizendo que a série fez de mim uma pessoa pior?

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Não. Oh, querida. Me desculpe. É um mundo muito particular, certo? É um retrato do que é possível dentro do universo moral criado por uma empresa e uma família. As possibilidades são muito circunscritas. Mas existem. A intenção é mostrar esse mundo com a maior veracidade possível. Mas, sei lá, me desculpe.

Este artigo foi originalmente publicado em The New York Times.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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