Quem está acostumado a ver Sônia Braga nos papéis densos que lhe deram status de diva talvez não imagine o quanto ela é divertida nos bastidores. E sua brincadeira preferida no set é permanecer no personagem quando a cena termina. "Estou respondendo aqui como personagem, depois vou negar tudo", brincava ela na semana passada com o pessoal da produção de Tapas & Beijos. No seriado, que tem redação final de Cláudio Paiva e que a Globo exibe às terças, com audiência em ascensão a cada semana, ela faz participação especial que vai ao ar no dia 24, às 22h15.
Diva em pele de diva, Sônia interpreta Helô Siqueira, uma atriz famosa que, a exemplo de certas celebridades reais, tenta convencer Djalma (Otávio Muller) a patrocinar seu casamento, e assim fazer propaganda da sua Djalma Noivas. Temperamental como o arquétipo da estrela faz supor, Helô tenta a todo custo arrancar facilidades de Djalma, já que está acostumada à bajulação. "A gente achava tudo exagerado, mas depois do casamento da princesa tudo ficou pequenino", filosofa a atriz, impressionada com o desfile de chapéus do casamento real, ocorrido dias antes, e também com o figurino da personagem, garimpado por ela mesma e pelo figurinista Antônio Medeiros. "Posso dizer que uma personagem como a Helô é minha especialidade", diz ela, que gravou durante três dias nos estúdio da Globo, o Projac.
Enquanto fala em tom esnobe com Fátima (Fernanda Torres) e Sueli (Andréa Beltrão), as duas funcionárias da Djalma Noivas, Helô se olha o tempo todo no espelho, de cima de um salto vertiginoso. O roteiro do episódio brinca com a condição de estrela, que parece fornecer credencial a exageros. No caso de Sônia, ela sim estrela de verdade, a afetação não é coisa para primeiro plano. "Sônia é uma grande atriz e fez muitas personagens engraçadas. Trabalhar com ela foi fácil e muito divertido", resume o diretor-geral da série, Maurício Farias.
De onde surgiu o convite para 'Tapas & Beijos'?
A (diretora) Daniela Braga é minha sobrinha, mas não foi isso diretamente. É que eu estou sempre vendo tudo da TV brasileira, mesmo quando estou fora. E já tinha achado a série demais, com duas atrizes absolutamente fantásticas - veria a Andréa e a Fernanda de qualquer jeito. Todos são muito engraçados, o (Vladimir) Britcha (Armane) é uma coisinha impressionante... Então, quando o Maurício me ligou, saí tão apressada de lá que primeiro veio só o corpo, depois o espírito chegou.
A personagem é uma estrela como você, mas de um estilo bem diferente do seu, não?
É, eu sou mais hippona, né? Nem jeans eu uso. Mas a Helô é praticamente minha especialidade. Ela é aquele tipo de mulher que parou no tempo, por isso quis trazer algo mais vintage. Sabe aquele tipo de mulher que congela o visual de quando estava no auge? - tem muitas modelos e algumas atrizes que fazem isso na vida real. A única pena é que eu não fui ao casamento real, porque assim já estava prontinha... (risos).
É um método seu, montar a personagem a partir do guarda-roupa?
Não tenho outra saída, só sei trabalhar assim. Outros, claro, gostam mais de sentar e imaginar o que a personagem está sentindo, como era a relação dela com os pais. São outras técnicas, mas eu acho assim: você monta o personagem, e ele aparece imediatamente na frente do espelho. Pode parecer uma coisa superficial, mas não é. Isso vem de uma observação do cotidiano. Tem gente que diz "eu trabalho quanto faço teatro". E eu não faço teatro, então tenho de trabalhar o tempo todo. Moro em Niterói, de lá eu saio e pego a barca (até o Rio) e observo. Eu olho muito as pessoas. Ih, agora vou ficar mal com o pessoal da barca... Vão dizer "tá olhando pra mim, é?".
Você pega a barca?
Claro, e você não? Pego a barca, depois o metrô. Já pegou aquela de 1950? Já viu avião de 1950 ainda estar em atividade? Navio, bicicleta ou carrinho de bebê de 1950 ainda em funcionamento? Não, né? Mas barca tem. Por favor, façam uma reportagem sobre as barcas! Ela carrega criança, idoso, todo mundo. Se um dia acontecer alguma coisa... Mas essa história de observar é assim: não sou casada, moro e faço muita coisa sozinha. Isso faz você observar mais. E é uma coisa que eu gosto de fazer. Vejo uma mulher e penso "gente, combinou o sapato com a bolsa!". É assim que eu monto as personagens. E quando preciso é só ir na "caixinha" e pegar.
De tantos tipos que observa, tem algum que lhe atrai mais?
Não. Mas um seriado como o 'Tapas & Beijos' é bacana porque você trabalha um pouco acima do tom, não é naturalista. O casamento real, por exemplo, ficou totalmente acima do tom, com aqueles chapéus exagerados. Adorei, que povo divertido. A gente aqui achando que estava exagerando...
E comédia, você gosta em que medida?
Pois é, comédia! Quase ninguém me chama para fazer comédia... E, de verdade, não gosto muito de drama.
Não?
Eu, não, quem gosta de drama é ator, né... (risos) Acho que você levar o lúdico para as pessoas é muito bom. Tenho de mandar um e-mail para eles agradecendo pelo casamento real. Me fez tão bem, ri tanto! Fiz montagens de fotos minhas com aqueles chapéus e botei no Facebook.
E aqui, o seriado, também é uma situação de casamento. É um universo de que você gosta?
Não, nunca quis usar vestido de noiva. Disse uma vez a uma amiga que ia gastar muito dinheiro para preparar seu casamento: "Pôxa vida, por que você não manda um beijo pra todo mundo e vai viajar?" Ela disse "eu preciso fazer isso". Tudo bem, mas imagine acordar cedo e botar maquiagem pra ficar de salto alto durante horas! Para mim seria um dia de tortura! Mas cada um sabe qual é o seu sonho. Nunca tive essa relação com o vestido de noiva, mas a gente como atriz faz tanta cena de casamento... É a festa mais chata da novela! O Juca de Oliveira diz que quando o autor está aborrecido ou sem imaginação, escreve "festa de casamento".
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