Numa tarde recente, 18 integrantes do Birmingham Royal Ballet giravam, faziam piruetas e saltavam por uma sala de ensaio, com toda a graça e habilidade associadas à dança clássica. Mas a música que saía do sistema de som não era de Tchaikovsky nem Ravel. Era Black Sabbath.
Quando os dançarinos terminaram a sequência da faixa Iron Man, da banda liderada por Ozzy Osbourne, Pontus Lidberg, o coreógrafo principal da nova produção da companhia, Black Sabbath: The Ballet, fez que sim com a cabeça, em sinal aprovação. Aí ele decidiu que precisava de um movimento mais adequado àquela música agressiva.
“Vamos tentar um stage dive [mergulho de palco]?”, ele disse.
Em 2020, o Birmingham Royal Ballet – que tem sede na segunda cidade mais populosa, mas muitas vezes mais esquecida, da Inglaterra – chamou a atenção do mundo da dança britânica quando contratou o astro do balé cubano Carlos Acosta como diretor artístico. Agora, disse Acosta, ele espera que o Black Sabbath Ballet, que estreou no dia 27 de setembro, também chame atenção global para a companhia, além de ajudá-la a encontrar mais audiência em casa.
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A segunda parte parece estar funcionando. A temporada de oito exibições no vasto teatro Hippodrome de Birmingham está esgotada, assim como apresentações em Londres e Plymouth, na Inglaterra.
Acosta disse que escolheu o Black Sabbath para seu primeiro grande projeto na companhia porque a banda de heavy metal era uma das “joias de Birmingham”. Antes de formarem a banda, os quatro integrantes trabalhavam em fábricas e matadouros da cidade.
Logo depois de se unirem, em 1968, começaram a misturar letras influenciadas por filmes de terror com hard rock – um estilo que acabou sendo batizado de heavy metal. Nas décadas seguintes, a maioria das grandes bandas de metal, como Iron Maiden e Metallica, citaram o Black Sabbath como uma influência fundamental, e a banda vendeu mais de 70 milhões de álbuns.
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Acosta observou que Birmingham tem uma ponte sobre o canal com o nome do Black Sabbath, mas, fora isso, disse ele, a cidade não fez o suficiente para celebrar a marca ou o gênero que ela criou.
De início, a ideia de fundir heavy metal e balé foi recebida com alguma confusão, disse Acosta, até mesmo por parte dos integrantes do Black Sabbath. Tony Iommi, 75 anos, guitarrista da banda, disse que, quando ouviu falar do projeto, sua primeira reação foi:
Toni Iommi, guitarrista do Black Sabbath
Mesmo assim, Iommi concordou em conhecer Acosta e foi conquistado por seu entusiasmo pela banda e pela experiência compartilhada: Acosta veio de uma parte pobre de Havana, disse Iommi, e os integrantes do Black Sabbath vieram de bairros violentos de Birmingham, onde as brigas de rua eram comuns e as aulas de balé, inexistentes. “Carlos acreditava muito no que estava fazendo”, disse Iommi.
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Acosta passou vários anos tentando descobrir como encenar um balé com a música da banda. Ben Ratcliffe, escrevendo no New York Times em 1993, descreveu a música ideal do Black Sabbath como “lenta e baixa, alta e longa”. Lidberg, o coreógrafo principal do balé, disse que os riffs repetitivos e raivosos das canções mais famosas do grupo, como War Pigs e Paranoid, a princípio pareciam mais adequados à dança contemporânea.
Foi somente com um mergulho profundo no catálogo da banda que a equipe criativa percebeu que havia outras músicas – como a psicodélica Planet Caravan – que tinham um clima mais suave. O balé final terá versões orquestrais de oito faixas do Black Sabbath, além de músicas originais de uma equipe de compositores. Um guitarrista de metal também tocará no palco.
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Embora não seja um balé de história, o espetáculo apresenta cenas baseadas em eventos reais, como um acidente industrial sofrido por Iommi em 1965, que foi fundamental para o desenvolvimento do som do Black Sabbath. O guitarrista, então com 17 anos, trabalhava em uma fábrica de chapas metálicas em Birmingham quando prendeu a mão direita em uma máquina. O acidente arrancou as pontas de dois dedos, deixando ossos ensanguentados para fora.
Para continuar tocando, Iommi fez novas pontas dos dedos com tampas de garrafas de sabão para lavar louça e, em seguida, afrouxou as cordas da guitarra para aliviar a pressão no braço da guitarra. Essas mudanças ajudaram a criar o som estrondoso característico do Black Sabbath – e também do metal.
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Cinco anos depois, quando o Black Sabbath lançou seu álbum de estreia, os críticos odiaram, mas os fãs começaram a lotar os shows da banda. Ao longo dos anos 70, o Black Sabbath ganhou as manchetes tanto por suas travessuras movidas a drogas, quanto por sua música. (Os textos da capa do quarto álbum da banda, gravado em Los Angeles em 1972, agradeciam aos traficantes de drogas da cidade).
Mas, mesmo para os padrões do Black Sabbath, Osbourne foi longe demais e, em 1979, os outros integrantes o demitiram. Na carreira solo que se seguiu, Osbourne certa vez arrancou a cabeça de um morcego ao vivo no palco, com a boca.
Lidberg disse que tinha pensado em incluir muitos momentos estranhos da vida real no balé, até mesmo a mordida do morcego, mas, em última análise, o espetáculo seria temático, e não específico. O primeiro ato se centra em como as fábricas barulhentas de Birmingham influenciaram o som do heavy metal, explicou ele, e o terceiro ato é sobre os fãs da banda.
Lisa Meyer, promotora musical em Birmingham, é creditada como “curadora de metal” do balé, com a tarefa de garantir sua autenticidade – mas resta saber o que os fãs de metal vão achar.
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Barney Greenway, nascido em Birmingham e vocalista do Napalm Death, uma banda pioneira no subgênero metal grindcore, disse esperar que os dançarinos não se baseiem em “estereótipos do metal, como fazer ‘chifres do diabo’”, um gesto muitas vezes visto em shows de rock. Mesmo assim, ele disse que está interessado no balé.
Iommi previu um subconjunto de fãs que provavelmente vão apreciar o balé: os seguidores originais do Black Sabbath da década de 1970.
Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.
/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU