O ator Elias Andreato, de 69 anos, mora sozinho há mais de três décadas. Ele mesmo faxina o apartamento, cozinha a sua comida e, às vezes, atravessa semanas sem receber uma visita. No meio da sala, repassa em voz alta os textos das peças e, no escritório, inventa, inventa sem parar projetos que alimentam a sua criatividade. “Tudo na vida é escolha, e minha solidão tem mais prazer que sofrimento”, afirma. “Não quero ninguém transformando a minha rotina até porque eu convivo com muita gente, o teatro me leva para a rua e vivo em constante movimento.”
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O cotidiano de Andreato em suas quatro paredes blindadas pode ser associado ao do seu novo personagem, um dos protagonistas da comédia dramática Visitando o Sr. Green, que estreia neste sábado, 18, no Teatro Renaissance, em São Paulo. Na peça do norte-americano Jeff Baron, dirigida por Guilherme Piva, o ator é um velho judeu ortodoxo confrontado com um fato capaz de desestabilizar o seu dia a dia.
Green se envolve em um acidente de trânsito causado pelo jovem executivo Ross (papel de Johnny Massaro). Sentenciado pela justiça, o rapaz realiza visitas semanais à vítima, tem sua tolerância desafiada constantemente e, aos poucos, os dois percebem a chance de compartilhar um afeto perdido em suas relações familiares.

“O texto tem essa natureza de tocar em questões humanas essenciais, como religião, sexualidade, solidão e diferenças geracionais, de uma forma simpática e inteligente”, afirma Massaro, que completa 33 anos nesta segunda, 20, e trabalhou nos palcos em Estranhos.com (2017), ao lado da atriz Deborah Evelyn, e Os Sete Afluentes do Rio Ota, dirigido por Monique Gardenberg em 2019.
Nos dois meses de ensaios, realizados no Rio de Janeiro, Massaro confessa que brincava com a faceta Sr. Green verificada no colega. Retraído, Andreato se mostrava resistente a baixar a guarda diante da possibilidade de uma nova amizade. “Aceita um pouco de afeto, vai...”, disse o jovem, certa vez, ao perceber a timidez de Andreato aos seus elogios ou demonstrações de carinho.
O veterano reconhece que o puxão de orelhas pode ser merecido, mas defende-se sob a alegação de que, nos últimos anos, a ranzinzice deixou de ser um defeito geracional e atinge boa parte da população. “Depois da pandemia, as pessoas vivem ansiosas, na defensiva, por isso é confortável se comunicar pelo celular e acreditar que ali acontecem coisas extraordinárias”, justifica. “O Johnny mesmo aproveita qualquer pausa para grudar o olho na maquininha como se estivesse perdendo algo incrível por estar off-line.”

Assim que leu a peça, Massaro se encantou com a dramaturgia, que, escrita em 1995, permanece atual e provocativa. A parceria com Andreato, entretanto, foi decisiva para o projeto ganhar a sua adesão. “Eu vi o Elias uma única vez, no monólogo Doido, em 2010, e saí muito impactado com a sua presença”, conta. Para ele, que solidificou a sua carreira nas novelas, é uma rara oportunidade de conviver com um artista forjado nos palcos. “Na agitação da vida e dos outros trabalhos no audiovisual, não temos a chance de estudar e nos aprofundar no nosso ofício”, justifica. “Isso só é possível pela convivência, e o Elias tem me proporcionado isso.”
Visitando o Sr. Green tem um significado especial na história profissional de Andreato. Foi ele quem dirigiu a primeira montagem brasileira da peça, em 2000, protagonizada por Paulo Autran (1922-2007) e Cassio Scapin. Em 2015, Scapin comandou uma segunda versão, desta vez interpretada pelos atores Sérgio Mamberti (1939-2021) e Ricardo Gelli.
“Eu nunca pensei em fazer esse papel, achei inusitado receber o convite dos produtores e, na hora, pensei: ‘Nossa, vou ter que mudar toda a minha vida, ensaiar no Rio, ficar longe de casa’”, confessa. “Ao mesmo tempo, eu me enxergo como o Sr. Green porque tenho esse lado chato, impaciente, sem perder o humor, e acho que estou fechando um ciclo.”
O ator descarta, porém, qualquer comparação com a performance de Paulo Autran, que, segundo ele, era um intérprete avesso à emoção e muito mais técnico, contrário ao drama, bem diferente dele. “Esqueci completamente da composição do Paulo para criar a minha”, garante. “Tanto que o Paulo explorava o humor nos conflitos do jovem, algo que eu jamais faria porque seria descabido nos dias atuais.”

Nestes 25 anos que separam as duas encenações, Andreato enxerga que o mundo se agravou, e a intolerância crescente chegou a minimizar as conquistas, principalmente no terreno da homossexualidade, que é abordado através do personagem Ross. “Em 2000, tudo era velado, até porque Paulo fugia de polêmicas e Cassio era o ídolo infantil do programa Castelo-Rá-Tim-Bum, mas, agora, mesmo com discussões escancaradas, a peça deve parecer incômoda para algumas bolhas”, explica. “O velho, por exemplo, sofre uma série de discriminações e não se dá conta de que ele é preconceituoso em relação ao rapaz.”
Massaro, que vem de trabalhos que abordam a temática LGBTQIA+, como o filme Os Primeiros Soldados e a série Máscaras de Oxigênio (não) Cairão Automaticamente, acredita que Visitando o Sr. Green deve funcionar como uma espécie de “luz nas trevas” para plateias heterogêneas. “Gosto de, por meio dos personagens, fortalecer a ideia de que as pessoas podem viver a sexualidade de diferentes maneiras”, diz. “Há 25 anos, era impensável um ator assumidamente gay como galã de novela ou uma Erika Hilton na Câmara de Deputados, então, mesmo entre retrocessos, há uma evolução.”
Visitando o Sr. Green
- Teatro Renaissance (Alameda Santos, 2233, Jardim Paulista)
- Sábado, 21h; domingo, 19h30.
- R$ 150
- Até 20 de abril. A partir de sábado, 18.