Em 2012, a companhia pH2: estado de teatro se preparava para criar um espetáculo baseado na obra do alemão Karl Georg Büchner (1813-1837), sem se dar conta que o ano seguinte marcaria seu bicentenário. Surgiu, então, uma convocatória para o Büchner International Festival, que ocorreu em junho de 2013 em Giessen, cidade onde o dramaturgo estudou.
A ideia era reunir trabalhos que já tivessem estreado e fossem inspirados no autor. “Na época, o processo estava apenas começando”, diz a diretora Paola Lopes. “Artistas persistentes que somos, nos inscrevemos mesmo assim e eles toparam fazer nossa estreia por lá.” Após passar pela Alemanha, Stereo Franz foi apresentada em setembro no festival Mirada, em Santos, e chega a São Paulo nesta sexta-feira (9), no Sesc Santo Amaro.
Stereo Franz se inspira na vida e na obra de Büchner, sobretudo em Woyzeck, sua peça derradeira, mais aclamada e inacabada. “O texto é provocador, está sempre presente no nosso imaginário porque perpassou a nossa formação”, diz Paola, contando que a pH2 foi criada em 2007, quando seus integrantes cursavam a graduação em artes cênicas na Universidade de São Paulo. Segundo a diretora, a obra dialoga com os ideais do grupo em investigar o trágico no mundo contemporâneo, questionando a apatia nas relações humanas atuais.
No enredo original, Friedrich Johann Franz Woyzeck é um soldado que leva uma vida ordinária. Além da mulher e do filho, é voluntário nas pesquisas de um médico, sendo sua cobaia para complementar a renda. Seu comportamento crítico e questionador provoca vários conflitos que, somados às consequências de seu trabalho como cobaia, levam a sua vida a um desfecho trágico.
Em Stereo Franz, a base da história é a mesma, mas o protagonista aparece como um jovem brasileiro, que tem RG e CPF e, em meio a tantos problemas, dá vazão às suas questões por intermédio do rock. “Não tínhamos a pretensão de montar um clássico”, explica Paola. “A peça surge para mostrar o que esse texto nos diz respeito. Nós somos parecidos com esse Woyzeck.”
Durante a pesquisa, o grupo encontrou a visão do crítico literário Francis George Steiner sobre Woyzeck. “Para ele, a tragédia do personagem era o fato de ele não conseguir articular a linguagem, ficando à mercê de discursos de terceiros.” Esta leitura permeia toda a montagem, que, de maneira fragmentada, aborda frequentemente a impossibilidade da fala e se refere à língua ora como idioma, ora como músculo.
O processo colaborativo da montagem determinou a cenografia. Com a ideia de trazer o clássico à recente década de 1990, com toque jovem, surgiu a ambientação de um bar: é neste espaço que o público é recebido, com mesas quadradas e cadeiras típicas de madeira. No início da peça, a plateia é servida de amendoim e cachaça e escuta músicas tocadas ao vivo por uma banda com vocal, guitarra e teclado, formada pelo próprio elenco. No repertório, canções que lembram a juventude, como Velha Roupa Colorida e A Palo Seco, de Belchior, e House of the Rising Sun, da banda britânica The Animals.
A área do bar tem uma parede inteira de vidro, que dá vista a um solarium. O elenco circula entre os dois espaços, em um jogo que permite ficar muito próximo do público e, em seguida, contracenar em outro lugar, com auxílio de microfones. No caminho entre os locais, câmeras transmitem as imagens a cinco televisores de tubo, espalhados pelo bar. Os aparelhos também exibem imagens previamente gravadas.
Da apresentação em Giessen para a estreia em Santos, o espetáculo teve uma mudança. No Büchner Festival, o grupo pôde conferir uma versão ucraniana de Woyzeck, dirigida por Andriy Zholdak. “Ele conseguiu exatamente o que a gente queria, que era aproximar a obra do próprio país”, aponta a diretora, que, assim como Zholdak, deu um toque sideral a um dos personagens. A montagem ucraniana integra a programação da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, que ocorre em março.
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