NOVA YORK - Série de pedigree, com produção de nomes estrelados e elenco idem, Boardwalk Empire - O Império do Contrabando não levou o prêmio de melhor série dramática de 2011 no último Emmy (a estatueta ficou para Mad Men), mas saiu do Teatro Nokia, em Los Angeles, como a grande vencedora da noite em número de troféus - foram oito prêmios, incluindo melhor direção de série dramática para o piloto de Martin Scorsese, primeiro Emmy do renomado cineasta. Está certo que os outros sete prêmios contemplaram categorias técnicas, mas até esse fato explica, em parte, o respeito da crítica com relação à trama, cuja 2.ª temporada chega hoje à América Latina, às 21h30, pela HBO.
Em uma minuciosa reconstrução da era da Lei Seca nos EUA dos anos 1920, o esmero da produção garantiu à série a alcunha de piloto mais caro da história da TV americana. Foram US$ 18 milhões, grande parcela investida na construção do boardwalk, o calçadão que dá nome à trama, num terreno vazio de Greenpoint, bairro de Nova York às margens do East River. O trabalhoso efeito visual camufla o Empire State e os edifícios modernos da Manhattan de hoje, que fazem vista na outra margem do rio.
Para o criador da série e roteirista, Terence Winter (de Os Sopranos), apesar de o cuidado técnico que, claro, garantem toda qualidade visual, é a modernidade da história que cativa público e crítica.
"Vejo um grande paralelo entre o contrabando na era da Lei Seca e o tráfico de drogas hoje. Os anos 20 têm muita familiaridade com nossa era", disse o roteirista em entrevista à imprensa internacional, da qual o Estado participou um dia depois do fim das gravações do 2.º ano, em 13 de setembro.
"Descobrimos nas pesquisas que as coisas hoje, incluindo a corrupção, estão tão ferradas quanto naquela época. É ilusão pensar que o passado era melhor. E pouco retratamos esse período na TV."
Baseado em figuras reais - como os gângsteres Al Capone (Stephen Graham), Lucky Luciano (Vincent Piazza) e Arnold Rothstein (Michael Stulbarg), além do político-criminoso Enoch "Nucky" Johnson -, Boardwalk gira em torno de Enoch "Nucky" Thompson, político corrupto que dirige o contrabando de bebidas de Atlantic City. Interpretado por Steve Buscemi (de Cães de Aluguel, Pulp Fiction e Os Sopranos), o personagem transita entre o glamour das festas cheias de melindrosas ao submundo do contrabando, e é tão complexo e ambíguo quanto outros personagens da série. Tanto que não é raro o público se compadecer de suas aflições e torcer por sua regeneração.
"Nucky não é mau só porque gosta de ser vilão e, como ator, eu tenho de entender os motivos dele. Só tento fazer com que meus personagens sejam o mais humano possível", disse o ator durante a conversa com a imprensa. Buscemi, aliás, é bem mais franzino do que o Nucky Johnson da vida real, "um homem grande, de figura intimidadora", segundo o ator.
Para esse trabalho, Buscemi ressalta a importância da equipe de produção estrelada, que inclui também Tim Van Patten (produtor de Os Sopranos e The Pacific), Stephen Levinson e Mark Wahlberg (produtores executivos de Entourage, How to Make it in America e In Treatment). "Nem preciso me inspirar. Os roteiros são muito bem feitos, cheios de notas explicativas", garante o ator.
Muitas dessas notas são de Scorsese que, apesar de não ter contato com os atores no set, lê os scripts, assiste à edição dos episódios e, durante o período de gravações, encontra-se com Winter aos domingos para se inteirar da produção. "É incrível como ele consegue guardar cada detalhe em sua cabeça. Outro dia, reordenei duas cenas e, assistindo aos últimos cortes, meses depois me perguntou por que eu tinha mudado a ordem das cenas 13 e 14", lembra Terry Winter.
2ª temporada. Como é de praxe na maioria das produções da HBO, as cenas de sexo parecem estar menos frequentes nesse segundo ano da série, que, em compensação, já começa o primeiro episódio com uma sequência sanguinolenta, com um ataque à destilaria do líder da comunidade negra Chalky White (Michael K. Williams).
Os dias de glamour e paz de Nucky também estão contados como faz crer a foto ao lado, de Nucky preso após organizar uma fraude eleitoral nas eleições para prefeito. É bom lembrar que o ex-todo poderoso está quase sem aliados, já que seus homens de confiança se voltam contra ele, incluindo seu irmão Eli (Shea Whigham) e seu antigo pupilo Jimmy (Michael Pitt).
Agora, nem o charme das melindrosas nem as festas regadas à bebida ilegal parecem ter graça para um Nucky em decadência.
ENTREVISTA
Terence Winter
Roteirista de Os Sopranos, agora escreve e produz Boardwalk Empire
‘A guerra contra as drogas não adianta’
Roteirista de Boardwalk Empire, Terrence Winter formou-se em Direito e exerceu por dois anos a profissão, antes de pensar que precisava fazer algo diferente. Foi então que rumou para Los Angeles, onde conseguiu um lugar na disputada Warner, e onde passou a escrever para produções de qualidade duvidosa.
"Fiz séries muito ruins, pode olhar no meu currículo (risos). Mas aceitava tudo o que me ofereciam e pensava que aquilo era dez vezes mais legal do que tudo o que eu já tinha feito", disse Winter em entrevista à imprensa internacional.
Foi apenas em 1999 que escreveu, ao lado de David Chase, a aclamada Os Sopranos que sua vida mudou. "Percebi que podia fazer algo de qualidade. Graças ao David, que quebrou barreiras na TV e com quem aprendi muito".
Por que você gosta tanto de fazer séries de gângsteres?
Eles sempre foram muito interessantes para mim. Cresci no Brooklyn, em Nova York, que tem uma atmosfera bem gângster (risos). Desde criança gosto de assistir a filmes e ler histórias desse tipo. Me fascina ver a vida de quem vive fora das regras, que faz o que quer. Por que Joe Soprano ou Nucky Thompson são interessantes? Olhe para o Nucky: ele vive num hotel, acorda às 16h, dorme com vedetes, ganha dinheiro, faz o que quer, todo mundo o respeita. Quem não queria ser esse cara? As pessoas gostam de entrar no mundo dos gângsteres, sem se envolver, no conforto da sua sala de estar.
Sabemos que a Lei Seca não funcionou. Com relação às drogas, você é a favor de uma política mais liberal?
A guerra contra as drogas claramente não funciona. É injusto chegar para uma criança carente e dizer: ‘para você ter dinheiro ou você vai pra faculdade, estuda por 8 anos, e se, você tiver sorte e trabalhar duro, talvez um dia tenha dinheiro para comprar aquele carro. Ou você fica naquela esquina vendendo crack e pode comprar o carro em uma semana. O que você escolhe?’ Não existe muita escolha para essas crianças. A Lei Seca fez de criminosos milionários, é responsável pelo crime organizado. É o que está acontecendo agora.
É estranho porque, às vezes, seus personagens são verdadeiros sociopatas, mas a gente se compadece. De onde você tira inspiração para eles?
Eu amo sociopatas (risos). Se você é honesto em retratar uma pessoa com todas as suas cores, até os sociopatas vão parecer próximos e você pode se identificar de alguma forma. Você verá que até o Al Capone tinha mulher, um filho surdo que ele amava e tudo o mais. E é doido, porque ele é um assassino... E é aí que você o vê de uma maneira mais consistente e completa.
O que fez vocês pensarem que o Steve tinha potencial para ser Nucky Thompson?
Além de ele ser um amor de pessoa, um cara normal, sem estrelismos de Hollywood, não tem uma emoção que ele não transmita de um jeito convincente. Ele pode ser engraçado, assustador, compreensivo, romântico. É um ator muito versátil.
Mas você também fez Os Sopranos.
Sim, fui abençoado com a oportunidade de trabalhar em Os Sopranos, algo realmente bom, e que mudou tudo. Foi quando pensei: "Bom, posso fazer algo de qualidade". E essa oportunidade de trabalhar com o Martin Scorsese está sendo muito boa, ainda não acredito. Estou trabalhando num outro projeto com ele, uma série com o Scorsese e o Mick Jagger (série sobre música, para a HBO, que tem o nome provisório de History of Music). E dia desses me peguei num quarto de hotel com o Michael e o Mick e pensei: "Fiquei doido. Isso não está acontecendo"; Cara, eles eram meus heróis e agora trabalho com esses caras. Ainda hoje é estranho pra mim pensar em toda essa transformação na minha vida. / ALLINE DAUROIZ
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