Na próxima novela das 9, A Dona do Pedaço, dirigida por Amora Mautner, que estreia na Globo no dia 20 de maio – no lugar de O Sétimo Guardião –, o autor Walcyr Carrasco criou sua trama em torno dos protagonistas Maria da Paz (Juliana Paes) e Amadeu (Marcos Palmeira), que vivem um amor impossível por fazerem parte de duas famílias rivais, de justiceiros: ela pertence ao clã Ramirez; ele, ao dos Matheus. Mas são Dulce, personagem de Fernanda Montenegro, e Nilda, vivida por Jussara Freire, as grandes matriarcas dessas duas famílias. São elas que, à sua própria maneira, comandam e protegem os seus pares. E, apesar da crueza da realidade em que vivem, Dulce e Nilda se tornam também polos de amor, de fortaleza para quem com elas convive. A primeira é avó de Maria da Paz e a ensina a fazer bolos – o que será importante para o futuro da neta. A segunda, mãe de Amadeu, defende ele e os outros filhos com unhas e dentes.
Dulce está à frente dos negócios da família Ramirez. Já Nilda conta com o marido, Miroel Matheus (Luiz Carlos Vasconcelos). Elas são duas personagens-chave na primeira fase da trama, que se passa na fictícia cidade de Rio Vermelho, no interior do Espírito Santo. “São tantos anos de matança, então o início da novela é um acerto que detona a história a ser contada. Mata daqui, mata dali. Vingança de um lado e de outro, dentro de uma lógica deles de matança”, conta Fernanda, em entrevista ao Estado. “Esses capítulos são muito bonitos, uma dramaturgia de grande qualidade dentro do melodrama e dentro do folhetim, que é uma expressão literária que, no fundo, como diz Nelson Rodrigues, está na base de toda e qualquer história humana que se conte. É uma história tão forte que detona uma explosão de crises e situações. E nisso o Walcyr é mestre”, completa a atriz.
O acerto ao qual Fernanda se refere é o atentado a Amadeu no dia em que ele se casa com Maria da Paz. Nos anos 1990, os dois se conhecem, se apaixonam e, mesmo sabendo da rivalidade das famílias, engatam um romance e marcam o casamento. E, no altar, Amadeu leva um tiro. Ninguém sabe de onde partiu, mas o clã Matheus atribui o atentado aos antigos inimigos e promete vingança. Isso faz também com que Nilda, como mãe, tome suas providências. “Ela tem muito respeito pelo marido, mas é aquela mulher que tem prazer de ser o grande útero daquela família, ela tem prazer visceral em ser mãe daqueles meninos, e ela vai fazer tudo por eles. Nilda é um animal amoroso para cima dos filhos: não mexa com meus filhos”, diz Jussara Freire, ao Estado. Ela analisa a forma de agir e pensar de sua personagem. “Nilda é nascida nos anos 1950 e, portanto, dentro desse contexto, traz consigo ‘meu marido é meu rei’. É difícil a gente falar disso hoje em dia, mas as mulheres dos anos 50 foram criadas assim. Teve os filhos nos anos 1970, mas ainda é a mulher que trabalha em casa, cuida das coisas.”
Dulce e Nilda, no entanto, não terão um grande embate na história – fato que Jussara lamenta: “Não tive esse momento de glória”. Fernanda explica. “Não tem embate nenhum com a Nilda, mas com o marido dela. O lado de lá tem macho, do lado de cá não tem macho tão forte quanto eu”, diz. “Somos duas matriarcas, só que sou muito mais velha. Tenho um matriarcado, porque os homens foram todos mortos. A Nilda não, tem o marido dela, que é quem comanda a gangue do lado de lá, mas ela é um elemento forte dentro da história. Tenho imenso prazer em trabalhar com a Jussara. Ela é adorável, espero que, num futuro da novela, talvez a gente se encontre.”
Reencontros. Fernanda e Jussara se reencontram em A Dona do Pedaço 14 anos depois de contracenarem na novela Belíssima. E as duas contam que suas conversas nos bastidores de gravação duravam horas a fio. “Conversamos de coisas mais bobas até sobre teatro, educação dos filhos e netos, da dramaturgia, e a Fernanda é muito engraçada, demos muita risada”, diz Jussara. A atriz relata ainda, emocionada, um episódio que ocorreu em uma das viagens que as duas fizeram para rodar em uma locação da novela – e que ela nunca contou para Fernanda. “No carro, ela estava no banco da frente e eu, atrás. Fernanda estava segurando aquela alça no teto. De repente, bati os olhos nos braços dela e não conseguia tirar os olhos deles, e comecei a perceber as marcas da idade de uma mulher que vai fazer 90 anos. Me deu uma emoção tão grande, porque comecei a ver as marcas. Fiquei tão comovida, me deu uma força a partir daquele dia, triplicou a minha vontade de viver a partir daquela viagem com ela. Mudou a minha maneira de ver a vida.” Fernanda completa 90 anos em outubro, e depois de atuar como Mercedes em O Outro Lado do Paraíso, também de Walcyr, a atriz praticamente emendou o trabalho no folhetim anterior, exibido entre 2017 e 2018, com a nova novela. Em fevereiro deste ano, Fernanda foi internada por causa de uma desidratação. “Tem muitas maneiras de se ter desidratação, não sei o que provocou a minha, mas estou zerada segundo meu médico. Me cuido, porque tenho amor à vida, tenho uma frente de trabalho sempre generosa na vida”, comenta ela.
Para Jussara, de 68 anos, A Dona do Pedaço marca sua volta à Globo após 14 anos, depois de passagens na Record e no SBT. E também seu reencontro com Marcos Palmeira, com quem contracenou na novela Pantanal, em 1990, na extinta TV Manchete. Na novela de Walcyr, eles serão novamente mãe e filho. “Aquela novela é incrível, está impressa na memória de quem assistiu. Foi um acontecimento na minha vida, pessoal, profissional”, afirma ela. “Nós dois não nos víamos há muito tempo, e a coisa mais estranha para mim foi que a gente bateu o olhar um no outro e foi aquela emoção. Foi como se a gente nunca tivesse deixado de se ver. Em Pantanal, ele era um menino e foi maravilhoso, e voltou tudo agora. Na ficção, ele é meu filho preferido.”
O autor Walcyr Carrasco elogia suas duas matriarcas. “A personagem da Jussara fica um pouco mais (na trama). São mulheres fortes que vivem esse universo violento, onde a morte faz parte do dia a dia”, observa. “O personagem da Fernanda, que está sendo interpretado de maneira incrível, fica entre o amor extremo pela família e uma matriarca que rege toda uma família de matadores, com força inigualável. Eu sei que esse personagem vai surpreender.”
‘Pensei no amor shakespeariano, que me move muito, sempre’, diz Walcyr Carrasco
De onde veio a inspiração para a história de A Dona do Pedaço e para o conflito entre as duas famílias rivais? Remete a Shakespeare e a novelas como O Rei do Gado... Remete a Shakespeare, sim. Não esqueça que ganhei um Jabuti pela tradução e adaptação de Romeu e Julieta. Então, pensei nesse amor shakespeariano, que me move muito, sempre! A paixão acima da guerra entre famílias.
Esse conflito entre as duas famílias vem de longa data. Em algum momento, o público vai saber o que motivou o início dessa briga? Eu vou escrevendo de acordo com minha intuição, portanto não sei no momento adiantar o que acontecerá ou não. Mas basicamente é um conflito tradicional e comum entre famílias poderosas de algumas regiões do Brasil. Assistindo aos primeiros capítulos, o público verá que o conflito é acentuado pela morte de novos membros de ambas as famílias, no contexto da novela.
Com que tipo de negócios essas duas famílias trabalham? As duas famílias são de justiceiros profissionais. Ou seja, pessoas que matam por encomenda, e recebem por isso. E em nome da hegemonia local, criam as novas gerações para assumirem o trabalho dos mais velhos. É no meio desse conflito que nasce a história de amor com elementos de Romeu e Julieta.
As personagens femininas sempre foram peças importantes em sua obra, e, em A Dona do Pedaço, elas parecem ter um protagonismo ainda maior. Foi algo pensado ou esse protagonismo das mulheres foi nascendo naturalmente a partir da sinopse? Eu não teorizo muito sobre meu trabalho. O protagonismo feminino sempre foi forte, sim, em tudo que escrevo, e as personagens de mulheres fortes surgiram na própria criação da trama.
Fale sobre sua protagonista, Maria da Paz. Ela é a mulher que tem garra, fibra, começa a vender pedaços de bolo na rua e constrói uma fábrica e uma rede de confeitarias. Ao mesmo tempo, é frágil afetivamente e apaixonada. Ela diz muito do Brasil de hoje, onde fortunas surgem de repente, e também desaparecem mais depressa ainda.
O público vai precisar esperar muito para ver o reencontro de Maria e Amadeu? Em minhas novelas, o público nunca tem que esperar muito, eu gosto que tudo aconteça rapidamente. O reencontro de Maria da Paz e Amadeu é muito rápido!
Diferentemente da personagem Clara, de O Outro Lado do Paraíso, que traçou uma jornada de vingança, Maria segue uma jornada de resgates? Maria segue uma jornada de amor, e de engano. Através dela se percebe a fragilidade de muitas situações nos dias de hoje.
Como foi sair de uma novela tão intensa como O Outro Lado do Paraíso e praticamente emendar outra novela igualmente intensa como A Dona do Pedaço? Eu quis! Adoro escrever novelas, para mim é um trabalho absorvente e intenso.
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