Uma carta endereçada a Oswald de Andrade revela que Monteiro Lobato não se opunha ao modernismo, como defendia outro contemporâneo, Mário de Andrade. O documento que contribui para enriquecer a biografia de Lobato e a desvendar mitos é uma das peças do acervo do escritor, doado ao Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulálio (Cedae) do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e estará exposta ao público no lançamento oficial do acervo, no dia 5. Segundo a pesquisadora lobatiana Marisa Lajolo, com esses documentos a Unicamp passa a ter o maior acervo de Lobato e espera que estimule novas doações. Marisa apontou que esse acervo é rico em detalhes da vida literária em que Lobato viveu, dos anos 20 até 1948, e revela que o escritor era uma figura de referência na literatura nacional e muito afeito às modernidades, principalmente ao cinema. "Lobato era defensor e difusor cultural, que é um aspecto pouco debatido em seu trabalho", diz Marisa. Segundo a supervisora do Cedae, Flávia Carneiro Leão, os documentos, muitos inéditos, poderão lançar nova luz à historiografia literária nacional. "Descobertas estão por vir" acredita. Ela explicou que, antes mesmo de o acervo ser catalogado, já havia vários pesquisadores da universidade trabalhando em projetos sobre o escritor. Flávia explicou que o material ainda não foi quantificado e criteriosamente analisado. Mas destaca, entre outras relíquias, o grande acervo iconográfico referente ao escritor, composto por fotografias, aquarelas, bicos-de-pena e desenhos. "Monteiro foi editor e ilustrava pessoalmente livros publicados por sua editora", comentou. Ela destacou ainda correspondências de Lobato, incluindo uma seleção de cartas à mulher, Purezinha Natividade Lobato, entre 1906 e 1908. Uma delas, escrita quando estava preso em uma solitária acusado pelo Estado Novo de ser comunista, vai compor uma exposição que poderá ser vista apenas no dia 5, no lançamento do acervo, ao lado da carta a Oswald de Andrade, de parte do material iconográfico e alguns documentos raros. Todo material tem fundamental importância, defende Flávia. Uma das características de Lobato é que, ao contrário de seus contemporâneos, ele preferia a máquina de escrever para produzir suas obras. O material datilografado, e depois corrigido à mão, compõe a maioria dos originais de Lobato incluídas no acervo. A exceção é uma tradução de Friedrich Nietzsche, manuscrita. Segundo a supervisora, as negociações sobre o acervo tiveram início há dois anos, quando a neta do escritor, Joyce Campos Kornbluh, acompanhou a doação da Biblioteca Lobatiana à universidade. Joyce gostou do trabalho do Cedae e manifestou o possível interesse de doar à Unicamp o acervo do avô. O material chegou à universidade no fim de agosto, quando foi minuciosamente conferido. Em seguida, passou por processos de higienização. O próximo passo será a organização e catalogação do acervo, previsto para serem concluídas em 1,5 ano. Nesse período, a Unicamp também promoverá restauros e reformas. A supervisora explicou, porém, que são poucos os documentos que precisam de pequenos reparos. Somente então o material ficará disponível, em sala de reserva climatizada e com controle de umidade, a consultas públicas. Os documentos estarão guardados em pastas e caixas especiais, também produzidos na universidade, confeccionados em papel neutro. "Não haverá cola para não danificar o acervo", comentou Flávia. Mas, explicou, que o mais importante é estabilizar a degradação. "Não queremos que os documentos fiquem novos, mas temos de impedir que se degradem." Para os próximos anos, há projetos de lançamentos de livros com o material doado à universidade, além dos resultados de pesquisas de teses de alunos da universidade, atualmente em andamento.