Quando Billy Wilder morreu de pneumonia, em 2002, aos 95, quase 96 anos, a crítica foi unânime. Wilder, discípulo de Ernst Lubitsch, foi um dos grandes da comédia - e do cinema de Hollywood -, mas não havia nada menos parecido com a elegância de Ernst do que a virulência de Billy. Em 1945, ele recebeu seu primeiro Oscar, por Farrapo Humano (houve outro por Se Meu Apartamento Falasse, em 1960). Em 1950, fez o clássico Crepúsculo dos Deuses, Sunset Boulevard.Wilder emendava sucessos - um após o outro. E eram filmes duros, sombrios, da tendência chamada de noir. E aí, em 1951, ele fez A Montanha dos Sete Abutres. O fracasso do filme levou-o a repensar sua carreira. Ele se converteu à comédia, mas continuou batendo na - e provocando a - sociedade norte-americana. A Montanha dos Sete Abutres, por exemplo, foi rejeitado pelo público, mas não porque fosse ruim. O filme estava adiante de sua época. E, daquela vez, Wilder exagerou na dose da crítica. A plateia, sentindo-se retratada, e agredida, reagiu - contra.O filme é sobre o carnaval que o repórter Kirk Douglas arma em torno a um infeliz que ficou preso numa mina. Douglas não está ligando a mínima para o sofrimento do cara nem a mulher dele, Jan Sterling, que também não é a heroína sofredora. Douglas só quer projeção para voltar à grande imprensa e Jan, bem, ela quer se divertir e largar aquele fim de mundo e, por isso, pega carona na viagem do anti-herói interpretado por Douglas. Tudo isso foi demais para a puritana sociedade dos EUA da época, que não estava acostumada com relatos de adultério. Quando eles ocorriam, eram, por amor e em meio a grande sofrimento, o que não era o caso aqui.O tal carnaval que Douglas arma, atraindo uma multidão para acompanhar o caso - e alimentar suas manchetes - inspirou Woody Allen, anos mais tarde, e um episódios de A Era do Rádio refere-se a outro carnaval, o que acompanha uma menina que caiu num poço. Fracasso na época há 60 anos, A Montanha dos Sete Abutres ganhou status de cult e hoje ostenta a fama de clássico, para não dizer obra-prima. Para os cinéfilos, é um dos grandes - e mais impiedosos - filmes do autor, que, em 1974, ou seja, 23 anos depois, voltou a atacar a imprensa em A Primeira Página, seu último grande filme, com Jack Lemmon e Walter Matthau. Em A Primeira Página, a interrogação continua a mesma - até onde jornalistas inescrupulosos podem ir por uma manchete?
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