Das 25 metas de Haddad, 11 exigem ressalvas, são insuficientes ou podem ir na contramão, avalia CLP

Nota técnica do Centro de Liderança Pública diz que há medidas positivas, mas aponta problemas no fortalecimento do arcabouço fiscal, na reforma dos militares e nos supersalários

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Foto do author Daniel  Weterman
Atualização:

BRASÍLIA – Das 25 medidas prioritárias apresentadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao presidente Lula (PT), 11 exigem ressalvas, são insuficientes ou correm o risco de ir na direção contrária à agenda necessária, avalia o economista Daniel Duque, do Centro de Liderança Pública (CLP). Procurado, o Ministério da Fazenda não se manifestou.

As medidas foram apresentadas pelo ministro na última reunião ministerial de Lula, na segunda-feira, 20, com o objetivo de serem entregues até 2026, ano em que termina o mandato atual do petista. Entre as propostas estão a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês, a reforma da previdência especial dos militares e o combate aos supersalários do funcionalismo público.

Ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Foto: Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda

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A primeira medida, a de fortalecer o arcabouço fiscal, é insuficiente, segundo o especialista. O aumento de gastos da Previdência Social pode ser de R$ 80 bilhões até 2030 e deve consumir ou até superar a economia prevista pelo pacote de medidas de contenção de gastos aprovado recentemente no Congresso, calculada pelo governo em R$ 69,8 bilhões em dois anos.

“Só para zerar o déficit de cerca de 0,6% do PIB, precisaríamos de pelo menos R$ 60 bilhões, enquanto a estabilização da dívida pública demandaria ainda mais — algo em torno de R$ 100 bilhões no curto prazo”, diz a nota técnica. “Fatores estruturais, como a alta taxa real de juros e envelhecimento acelerado da população, reforçam que essas iniciativas não bastam para conter a expansão da dívida e criar folga orçamentária.”

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Outra proposta nas prioridades de Haddad é limitar os supersalários do funcionalismo público. O governo mandou uma mudança no pacote de corte de gastos, mas a medida foi desidratada no Congresso. A limitação dos salários acima do teto permitido pela Constituição (R$ 44 mil por mês) é positiva, mas do jeito que foi desenhada, pode até ampliar os “penduricalhos” pagos no Judiciário, de acordo com o CLP.

O texto inicial amarrava a concessão de pagamentos a benefícios autorizados por lei complementar, mas foi alterado para lei ordinária, mais fácil de ser mexida. Além disso, conselhos como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) mantiveram a autonomia para criar verbas extras.

“Se a intenção era barrar a criatividade contábil que justifica benefícios como ‘indenizações’ e ‘auxílios’ para burlar o teto, as mudanças acabaram por criar brechas ainda maiores”, diz Daniel Duque.

A reforma da aposentadoria especial dos militares também é insuficiente, segundo o estudo. O projeto do governo promove um aumento progressivo da idade mínima para 55 anos, quando seria necessário ampliar para 60 anos para ter uma economia substancial, de acordo com o analista. O déficit na previdência dos militares chega a R$ 50 bilhões. A mudança não entrou no pacote votado no Congresso no ano passado e ficou para ser analisada neste ano, sob resistência das Forças Armadas.

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A reforma do Imposto de Renda, com ampliação da isenção para quem ganha até R$ 5 mil mensais, pode reduzir a arrecadação e provocar um desequilíbrio nas contas públicas, de acordo com o estudo do CLP. “Com a base de contribuintes diminuída, o peso recai ainda mais sobre as faixas de renda mais elevadas, podendo estimular planejamento tributário agressivo e dificultar a estabilidade de longo prazo da receita”, afirma Duque.

O governo anunciou que pretende propor uma taxação maior sobre os mais ricos como forma de compensação, mas a proposta ainda não foi consolidada e encaminhada ao Congresso. Analistas temem ainda que os parlamentares aprovem só a ampliação da isenção, e não a medida compensatória sobre do imposto mínimo sobre alta renda.

Pontos positivos

Há medidas positivas, segundo a análise, como a regulamentação da reforma tributária e a reforma na Lei de Falências. Para ele, é a proposta de Haddad de iniciar a implantação da mudança na cobrança de impostos sobre o consumo é positiva. A redução de burocracias tende a melhorar o ambiente econômico, de acordo com o economista. Além disso, mecanismos como o cashback (devolução de parte do imposto pago) para as famílias de baixa renda devem diminuir o caráter regressivo que existe hoje, que faz com que a carga tributária seja maior sobre os mais pobres.

A mudança na Lei de Falências, em tramitação no Congresso, também é positiva, segundo o especialista. O maior protagonismo dos credores e a possibilidade de haver um gestor fiduciário escolhido em assembleia deve simplificar e dar maior rapidez aos processos de liquidação de empresas. “Essa alteração tende a fortalecer a segurança jurídica, garantindo uma condução mais transparente e eficiente do processo falimentar, na qual os bens são vendidos e os credores pagos de forma mais organizada”, diz a análise.

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O economista chama atenção para os riscos da regulamentação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que reunirá os tributos estaduais e municipais, e do Imposto Seletivo, que incidirá sobre produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente. “Há necessidade de cautela na multiplicação de alíquotas reduzidas ou regimes especiais, pois o excesso de exceções pode elevar a alíquota base para patamares ainda mais altos do que os atuais 26,5% a 28%, distorcendo o próprio princípio de simplificação.”

De maneira geral, Daniel Duque pontua os efeitos positivos da agenda dependem de uma implementação cuidadosa e de regulamentações claras. “Em várias frentes, especialmente nas reformas previdenciárias e no reforço do marco regulatório para inteligência artificial, há desafios notórios, demandando diálogo contínuo entre agentes do setor público, privado e sociedade civil”, afirma a nota.

Veja lista das prioridades de Haddad e a avaliação do CLP

  1. Fortalecimento do arcabouço fiscal, para assegurar expansão sustentável do PIB, desemprego e inflação baixos e estabilidade da dívida | Insuficiente
  2. Início da implantação da reforma tributária sobre o consumo | Favorável
  3. Regulamentação da reforma tributária: Lei de Gestão e Administração do IBS, Fundos e Imposto Seletivo | Favorável com ressalvas
  4. Reforma tributária sobre a renda com isenção para quem ganha até R$ 5 mil e tributação sobre milionários | Contrário
  5. Limitação dos supersalários | Favorável com ressalvas
  6. Reforma da previdência dos militares | Insuficiente
  7. Projeto de lei da conformidade tributária e aduaneira, com valorização do bom contribuinte e responsabilização do devedor contumaz | Favorável
  8. Nova Lei de Falências | Favorável
  9. Fortalecimento da proteção a investidores no mercado de capitais | Faltam mais informações
  10. Consolidação legal das infraestruturas do mercado financeiro | Faltam mais informações
  11. Resolução bancária | Faltam mais informações
  12. Mercado de crédito: execução extrajudicial, consignado do E-Social, uso de pagamentos eletrônicos como garantia para empresas e ampliação de garantias em operações de crédito (open asset)
  13. Regulamentação econômica das Big Techs | Favorável com ressalvas
  14. Modernização do marco legal de preços de medicamentos | Favorável com ressalvas
  15. Pé-de-Meia: permissão ao aluno investir em poupança ou títulos do Tesouro | Favorável
  16. Modernização do regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos e das parcerias público-privadas | Favorável
  17. Nova emissão de títulos sustentáveis, trazendo recursos ao Fundo Clima | Favorável
  18. Avanço na implantação do mercado de carbono (governança e decreto regulamentador) | Favorável com ressalvas
  19. Novos leilões do EcoInvest | Favorável
  20. Compra pública com conteúdo nacional e programa de desafios tecnológicos para a transformação ecológica | Contrário
  21. Estruturação do Fundo Internacional de Florestas | Favorável
  22. Conclusão da taxonomia sustentável brasileira | Favorável
  23. Política de atração de datacenter e marco legal da inteligência artificial | Favorável com ressalvas
  24. Plano Safra e Renovagro: aprimoramento dos critérios de sustentabilidade | Faltam mais informações
  25. Concluir o mapa de investimentos sustentáveis na BIP (Plataforma de Investimentos para a Transformação Ecológica no Brasil) | Favorável