É inegável que os temas relacionados ao trabalho têm integrado a agenda dos últimos governos, sobretudo dos dois mais recentes, que levaram a cabo a reforma trabalhista e aprovaram a Lei da Liberdade Econômica. As relações de trabalho estão na ordem do dia por vários motivos, entre eles o desempenho da economia, os índices de desemprego e, num contexto mais amplo, a tendência de extinção do emprego como fenômeno global.
Assuntos conexos como a reforma da Previdência caminham e há um pacote de medidas do governo sendo delineado pelo recém-criado Grupo de Altos Estudos do Trabalho (Gaet), cujo conteúdo não veio a público de forma organizada, mas que aparentemente inclui a reforma sindical e um regime previdenciário de capitalização específico para a carteira verde e amarela. No embalo dessas mudanças, fala-se na extinção da Justiça do Trabalho ou na fusão desta com a Justiça Federal, como quer um Projeto de Emenda Constitucional que tramita no Congresso Nacional. É pouco provável, no entanto, que a empreitada ganhe tração, por razões práticas e constitucionais.
Nada foi aventado, no entanto, sobre um ponto fundamental no espectro das relações de trabalho: a autonomia da vontade. Corrente na linguagem jurídica, esse conceito representa a liberdade do indivíduo para realizar negócios jurídicos e contratos, e de estabelecer o conteúdo dessas relações. O inverso é o dirigismo contratual, princípio que limita a autonomia e que tomou forma no início do século 20, quando o Estado passou a intervir nas relações privadas e a regulá-las.
O equilíbrio entre a autonomia da vontade e o dirigismo contratual dialoga constantemente com aspectos políticos e sociais. É possível reconhecer situações em que a regulação do Estado atende claramente ao interesse público e promove os valores coletivos. Um bom exemplo envolve as relações de consumo, protegidas pelo Código de Defesa do Consumidor.
Ocorre que as relações – e, consequentemente, esses valores coletivos – estão sujeitas a mudanças. As necessidades da sociedade evoluem. Por essa razão, o Direito deve ser dinâmico. Ao contrário de um fim em si mesmo, deve espelhar as relações que se propõe a regular. E é este o dilema com o qual se defrontam as relações de trabalho, muitas vezes submetidas ao dirigismo contratual num contexto de novas formas de trabalho, de novos modelos de colaboração.
A premissa que funciona como entrave à atualização é a de que o empregado não pode renunciar a direitos trabalhistas. Assim, sob essa lógica, não há qualquer espaço de negociação entre empresas e empregados sobre as cláusulas de um contrato de trabalho.
Contratos que ousam ultrapassar essa fronteira são anulados pela Justiça. Sob determinado enfoque, há insegurança jurídica. Para ilustrar a situação, tomem-se como exemplo as decisões judiciais que impõem o registro como empregados de motoristas de aplicativos.
Não há como traçar paralelo entre o trabalhador da década de 50, de um Brasil preponderantemente rural (quando havia 63,8% dos brasileiros residentes em áreas rurais, ante 36,2% urbanos, conforme o IBGE), e os trabalhadores às vésperas da terceira década do século 21, que têm aderido maciçamente aos novos modos de produção e de organização do trabalho, desafiando as rédeas do Estado.
O manto da proteção ao trabalhador, ideal antes relevante, vai aos poucos se tornando obsoleto, convertendo-se em entrave, em anacronismo, espécie de cavaleiro da triste figura a combater moinhos de vento.
Pode-se afirmar com segurança que há um grande contingente de trabalhadores cuja atividade não encontra representação na lei, cuja realidade não encontra figura jurídica correspondente.
Não é de esperar que a autonomia da vontade e a consequente liberdade contratual sejam irrestritas num primeiro momento. Mas este é um norte importante, que deve pautar as ações de modernização da lei. Pois, para prosseguir sendo respeitada, a lei deve reconhecer o entorno, e não pretender forjá-lo, bloqueando o futuro. *ADVOGADO TRABALHISTA