Análise | A ilusão do protecionismo: tarifas não resolverão a crise americana

Um dos principais equívocos da estratégia é a crença de que tarifas – e a caça aos imigrantes – devolverão os empregos aos americanos da classe média, em sua maioria eleitores de Trump

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Por Carolina Pavese

Empostado no gramado da Casa Branca, Trump anunciou nesta quarta-feira, 2, sua mais nova manobra protecionista. Em seu discurso, disparou números e nomeou países de modo aleatório, buscando reforçar a narrativa de que os Estados Unidos possuem mais inimigos do que amigos e era preciso combatê-los. Sem rufar os tambores, o grande mistério foi revelado.

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Uma a uma, as economias alvo da vez foram nomeadas; e as suas respectivas tarifas, esclarecidas. Os mais “sortudos”, como o Brasil, foram “agraciados” com a taxa de 10%, enquanto Índia, União Europeia e Japão ficaram na posição intermediária, em torno dos 20%. A principal penalizada foi a China: 54% de tarifas.

Novamente, a retórica de Trump apresentou seu protecionismo como a grande solução para os problemas econômicos e sociais. Apesar dos aplausos encomendados, poucos acreditam que soluções simples como esta realmente resolvem problemas complexos.

Pesquisa da Marquette Law School publicada nesta quarta aponta que apenas 28% dos americanos acreditam que tarifas ajudam a economia. Ademais, setores como o agronegócio já estão revendo sua postura de apoio incondicional ao presidente, uma vez que foram os principais atingidos pela guerra comercial de seu primeiro mandato e veem que a história tende a se repetir agora. A mesma pesquisa mostra que a taxa de desaprovação do presidente (54%) ultrapassa sua aprovação (46%), menos de quatro meses após sua posse.

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O trabalhador aposentado da indústria automobilística Brian Pannebecker em evento em que Trump anunciou tarifaço, no jardim da Casa Branca, nesta quarta-feira, 2 Foto: Mark Schiefelbein/AP

Um dos principais equívocos dessa estratégia é a crença de que tarifas – assim como a caça aos imigrantes – devolverão os empregos aos americanos da classe média, em sua maioria eleitores de Trump. Grande miopia.

A maioria absoluta dos trabalhadores está empregada no setor de serviços, enquanto a manufatura representa apenas cerca de 8% da força de trabalho. Dessa forma, protecionismo voltado ao comércio de bens tem impacto limitado sobre a empregabilidade da população em geral.

Outro efeito colateral do incremento tarifário é o aumento dos preços finais. Empresas que dependem de insumos importados repassam esses custos ao consumidor, quando não aumentam os preços acima da diferença de custo real, numa oportunidade de incrementar suas margens de lucro.

Como o Estado raramente intervém nesses casos, o resultado é a redução do poder de compra e o agravamento da pressão inflacionária. Em uma economia onde mais de 68% do PIB vem de consumo doméstico, a chance de uma recessão é ainda maior.

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Evidentemente, os resultados exatos ainda são incertos. Uma eventual valorização cambial poderia amortizar parte dos efeitos negativos tarifários. É fundamental também acompanhar como os principais parceiros comerciais irão reagir. Buscar mercados alternativos ou reforçar a presença em mercados mais seguros são uma opção. Medidas retaliatórias como a que o Brasil contempla tendem a acentuar a crise, embora possam fazer sentido politicamente e atendem a nosso ego ferido.

Mas por que Trump insiste nessa agenda? A resposta está na construção de uma narrativa política populista. Culpar imigrantes e práticas comerciais estrangeiras por dificuldades econômicas é um discurso que se conecta com a frustração de grande parte da sociedade americana.

Desde a década de 1980, a concentração de renda cresce progressivamente. O início do declínio dos planos de capitalismo com benefícios compartilhados coincide exatamente com a “Era Reagan” (1981-1989), que reduziu a atuação do Estado e retirou direitos trabalhistas. A fórmula permaneceu. A maior economia do mundo é igualmente a mais desigual dentre as poderosas nações do G-7.

Apesar de 74% dos americanos acreditarem que seus filhos se tornarão adultos com condições financeiras piores do que seus pais, o mito do “American Dream” persiste. Por uma questão ideológica (dos democratas e dos republicanos), qualquer iniciativa que sugira maior intervenção estatal é descartada antes mesmo de ser debatida.

Enquanto Trump não contempla soluções reais, ele usa do protecionismo como moeda de troca para obter concessões que pouco devem ajudar. Buscando reafirmar a pungência da “grande América”, ele isola cada vez mais seu país e deliberadamente forja uma situação de incertezas sem precedentes que nem o mercado nem seus eleitores apreciam. A solução é, na verdade, o sintoma de uma economia sem rumo.

Análise por Carolina Pavese

Doutora em relações internacionais pela London School of Economics, consultora e professora

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