A propriedade intelectual no agronegócio

A agricultura tem sido um dos melhores exemplos de como novas tecnologias, aliadas a ambientes institucionais que garantam a proteção da propriedade intelectual, podem revolucionar a produtividade e induzir a práticas mais sustentáveis. O agronegócio depende hoje não apenas da inovação constante, mas também de relações contratuais equilibradas e de instrumentos regulatórios e de proteção da propriedade intelectual avançados. Se esse fato, no Brasil, já se aproxima do óbvio, não se podia dizer o mesmo há duas décadas, época em que inexistia legislação capaz de estimular inovação tecnológica dedicada à agricultura. Aos poucos criadores de novas variedades vegetais (conhecidos como "melhoristas"), não eram garantidos direitos nem privilégios de criação. Faziam o que faziam mais por paixão e obstinação do que propriamente por certeza de retorno financeiro. Às grandes corporações e instituições dedicadas a pesquisas da então inusitada biotecnologia, como a Embrapa, a legislação nacional não oferecia mecanismos eficazes de tutela para desestimular a pirataria. Mas o ambiente institucional brasileiro experimentou uma revolução na década de 1990. Ratificamos a Convenção sobre Diversidade Biológica, no âmbito da Rio-92, o que nos levou à posterior ratificação do Protocolo de Cartagena e nos trouxe as diretrizes para uso, manipulação e movimentação transfronteiras dos Organismos Vivos Modificados. Mais importantes como estímulo ao desenvolvimento tecnológico da agricultura, vieram as instituições estabelecidas pela então primeira Lei de Biossegurança brasileira (1995), que passou a regulamentar a liberação dos organismos geneticamente modificados no meio ambiente, e as inovações da nova Lei de Propriedade Industrial (LPI), de 1996, que passou a admitir o patenteamento de microorganismos geneticamente modificados pela intervenção humana e o patenteamento de genes também modificados. Mas isso não bastava, na medida em que a LPI não admitia a proteção intelectual de uma planta e a revolução teria que vir por completo. Aprovou-se então a Lei de Cultivares (1997), que estabeleceu direitos de proteção intelectual sobre novas variedades vegetais. Como consequência inequívoca desse novo ambiente de proteção à inovação, experimentamos a retomada de investimentos no melhoramento genético das grandes culturas e na biotecnologia aplicável ao nosso clima e solo. Passamos a inovar e a produzir mais e melhor. A duras penas, o agronegócio superou as ideologias do atraso e o preconceito contra o capital estrangeiro e contra os privilégios de invenção. Alcançar o nirvana agrícola, portanto, nada tem a ver com o fato notado por Pero Vaz Caminha de que "aqui, em se plantando, tudo dá", nem tampouco com a demanda crescente de alimentos no mundo, que eleva os preços das commodities; deve-se especialmente a modernização institucional e tecnologia recompensada, além de infraestrutura logística. Isto tudo é um processo contínuo, sabe-se. Toda essa legislação que permitiu a revolução do agronegócio precisa continuadamente ser interpretada à luz das dinâmicas relações sociais e comerciais, da inovação tecnológica constante e dos critérios de sustentabilidade. Neste sentido, por exemplo, há questões controversas, como sobre o Princípio da Precaução, que deve ser observado com o devido rigor científico, mas jamais com viés ideológico. Outro tema, sempre recorrente, diz respeito a uma suposta "dupla proteção" aplicável às cultivares. Ainda que a Lei de Cultivares estabeleça ser o Certificado de Proteção de Cultivar a única forma de proteção de cultivares e de direito apta a obstar a livre utilização de plantas ou de suas partes de reprodução ou multiplicação, sua interpretação tem que estar sistematizada. Ao dar tal tratamento, a Lei de Cultivares atende à Convenção da UPOV de 1978, da qual o Brasil é signatário e que veda dupla proteção às variedades vegetais. Mas nem referida Convenção e nem tampouco a própria Lei de Cultivares eliminam a possibilidade de se proteger, por patente, tecnologias porventura inseridas em determinadas variedades vegetais. Trata-se, neste caso, de atribuir-se proteção intelectual sobre as variedades vegetais única e exclusivamente pela Lei de Cultivares e, sobre tecnologias patenteáveis, única e exclusivamente pela LPI; ou seja, para objetos distintos, distintas formas de proteção. A proteção da propriedade intelectual abre as fronteiras para novas tecnologias, sustentabilidade e investimentos no agronegócio. Sua criteriosa aplicação, geração de valor para o agricultor e respeito aos justos contratos hão de manter o círculo virtuoso da agricultura. .

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Por Luiz Lara
Atualização:

* Luiz Lara é sócio da área de Agronegócios e Biotecnologia da PLKC Advogados.

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