A Amazon se orgulha por ter alterado a ordem estabelecida nos mercados em que atua. Os sinais de que ela conseguiu fazer isso estão por todos os lados. Um exemplo é o processo de colapso da loja de eletrônicos Best Buy. Outro é a agitação dos concorrentes com os rumores de que a Amazon vai entrar no negócio de vinhos. E ainda há a fusão da Random House e da Penguin na tentativa de criar uma mega editora suficientemente forte para negociar com a Amazon em nível de igualdade. É inegável que a Amazon desperta inquietação ao seu redor, mas seu braço editorial vem sendo rechaçado por praticamente todas as livrarias, que agora estão ignorando o mais importante livro lançado por ela, o The 4-Hour Chef ("O Chefe de Cozinha de Quatro Horas", em tradução livre), terceira obra de Timothy Ferriss. A obra deve começar a ser vendida antes do Dia de Ação de Graças (22 de novembro), nos Estados Unidos em meio a um cenário de fragmentação do setor livreiro. Trata-se de um contexto que a Amazon trabalhou muito para conseguir, mas que agora escapa do seu controle.O primeiro livro de Ferriss, The 4-Hour Workweek (algo como "A Semana de Trabalho de Quatro Horas"), vendeu quase meio milhão de exemplares em sua edição impressa original, de acordo com a Nielsen BookScan. Esses livros sobre a busca do êxito sem muito esforço fazem sucesso especialmente entre homens jovens, que se identificam com o espírito empreendedor quase científico das obras. Editar obras de Ferriss foi visto como uma opção inteligente pela Amazon, que queria publicar livros que causassem impacto tanto no mundo físico como no digital. Quando o acordo foi anunciado em 2011, Ferriss, antigo marqueteiro de suplementos nutricionais, declarou que aquela era "a chance de mostrar o que será o futuro dos livros".Agora que a publicação está pronta para ser lançada, esse futuro parece confuso. Barnes & Noble, que vem lutando para continuar relevante mesmo à sombra da Amazon, declarou enfaticamente que não venderá livros da sua concorrente. Outras grandes livrarias, físicas e digitais, manifestaram desinteresse ou até se opuseram ao livro. E muitas livrarias independentes - que promoveram Ferriss no início - estão se sentindo traídas por ele. Os pequenos vendedores de livros não farão nada para ajudá-lo se isso envolver uma empresa que, para eles, está determinada a destruí-las.Fora do jogo. "Num determinado ponto você tem de decidir até onde quer cavar seu próprio túmulo", disse Michael Tucker, proprietário da rede Books Inc. "A Amazon pretende controlar totalmente o comércio de livros. Você é louco se deseja entrar no jogo".Bill Petrocelli, um dos proprietários da livraria Book Passage também expressou a mesma reserva. "Não é do nosso interesse negociar com a Amazon", afirmou. Crown, uma divisão da Random House, aceitou editar trabalhos de Ferriss em 2007, quando mais de uma dezena de editoras recusou. "A Crown se empenhou muito para promover os livros dele", disse Petrocelli. "E então ele resolveu se afastar. Acho que os escritores devem colaborar com as editoras que os apoiam".Não se trata de um boicote bem estruturado. A Books Inc. e a Book Passage afirmaram que só vão encomendar o livro The 4-Hour Chef para as pessoas que o desejarem. E algumas livrarias independentes vão deixá-lo à mostra.A Green Apple, outra grande livraria independente de San Francisco, informou que terá o livro em estoque entendendo que, se a obra pode gerar receita, melhor que gere para a Green Apple. Mas Kevin Ryan, do setor de compras, disse que há um limite. "Não mudaremos nossa estratégia para promover alguma coisa da Amazon", disse ele. "Não vamos nos esforçar além do necessário".Quando Ferriss firmou contrato com a Amazon, ele celebrou o novo às custas do velho. "Não acho que estou renunciando a alguma coisa, financeiramente ou em outros aspectos", afirmou o escritor. Hoje ele vê as coisas de maneira um pouco diferente. "Ao firmar um contrato com a Amazon, esperava este tipo de represália. Já estava preparado para isso".A ironia, acrescentou, é que o livro, que custa US$ 35, destinava-se ao navegador casual na internet. A Amazon pode fazer muitas coisas, mas ainda não permite que os leitores examinem o livro antes de comprar. "Este é o tipo de livro que as livrarias não virtuais ficariam muito entusiasmadas para vender", disse o escritor.Cultura sob controle. Há alguns anos, a cultura era oferecida em pequenas doses. Um livro como o The 4-Hour Chef estaria disponível em cadeias de livrarias e em um punhado de independentes. Hoje Amazon, Google e Apple estão competindo entre si e com outros players para controlar a maneira como a cultura é consumida. O Kindle Fire da Amazon foi lançado no ano passado para abocanhar algum espaço do iPad da Apple. Desde então, Google e Microsoft introduziram seus próprios tablets.Existe uma disputa constante por posição. A Amazon, por exemplo, está em litígio com os varejistas Walmart e o Target, que deixaram de vender o Kindle diante do risco de o produto se tornar um cavalo de Troia e afastar clientes.À medida que o uso do tablet explode, as empresas de tecnologia querem atrair usuários para seus aparelhos. Já são 70 mil ativações diárias de tablets que rodam o software Android do Google. Existe um grande número de leitores potenciais, mas a Google Play, loja que vende esses dispositivos, não oferece os principais livros que a Amazon publicou nos últimos meses. No entanto, oferece downloads de um livro publicado pela Amazon há alguns anos, The Hangman's Daughter (A Filha do Carrasco).O Walmart, indagado se vai vender o The 4-Hour Chef, informou que oferecerá o título apenas na versão online. O Target afirmou que não vai vender o livro, embora tenha à venda outros livros de culinária publicados por editoras tradicionais.Produção. A Amazon vem publicando livros desde 2009. A maior parte sai dos seus escritórios em Seattle, incluindo livros de mistério e romances. Autores que escrevem para estes selos dizem que estão ganhando bem, às vezes extremamente bem. Suas vendas são em grande parte digitais. Eles vivem dentro do ecossistema da Amazon, vendendo seus livros a partir do website da varejista. Por enquanto, porém, um livro com aspirações de se tornar best seller precisa de mais do que isso. Há uma semana, o The 4-Hour Chef era o número 597 entre os livros da Amazon. Já o The 4-Hour Workweek, atingiu o número 328 em sua versão publicada em 2009. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO