As pessoas normalmente usam a internet para avaliar todo tipo de serviço, desde serviço de encanador a cabeleireiro. Mas, agora, a situação mudou: as empresas passaram a classificar os seus clientes, evitando aqueles que não têm uma boa reputação online.
Hussein Kanji, usuário do aplicativo Uber - que oferece serviço de táxi não convencional - afirma que não é um mau passageiro. "Eu só peço aos motoristas que regulem a temperatura, não ouçam música muito alto ou que fechem os vidros", diz Kanji, um investidor de Londres. "Não posso imaginar por que motivo baixariam a minha classificação como passageiro."
E aparentemente baixaram. De repente, a espera por uma simples corrida pelo aplicativo se tornou interminável. "Há cerca de três semanas, o Uber se tornou praticamente inutilizável para mim", disse Kanji.
As opiniões sobre os clientes são uma nova forma de atestado de crédito, só que elas avaliam o comportamento das pessoas e não a sua situação financeira. Este sistema de avaliação já foi testado antes - o eBay foi um dos pioneiros-, mas a prática decolou de fato com a ascensão da chamada economia "on demand", que reúne a oferta de profissionais independentes em um ambiente virtual.
Diferentes pessoas podem estar dispostas a alugar sua casa para o fim de semana a um estranho na tentativa de ganhar uma renda extra, mas para isto exigem certa garantia de confiança. Assim, empresas como o Airbnb baseiam-se nos comentários para excluir clientes que têm antecedentes negativos.
Graças a isto, alguns consumidores se mostram mais educados e pontuais. Assim, o fato de saberem que podem ser avaliados, os incentiva a darem eles próprios uma nota mais positiva, mesmo que a experiência não tenha sido tão exemplar como gostariam. Quando o serviço escolhe a quem vai atender, ninguém quer ser rotulado como cliente difícil.
Por outro lado, a avaliação dos clientes também estão levantando questões sobre quem pode fornecer dados que detalhem um comportamento bom ou ruim, o que fazer a respeito disso - e se as pessoas sequer sabem que essas informações estão sendo coletadas.
"Você faz uma aula na faculdade e, mesmo que esteja pagando, vai receber uma nota", disse Catherine Sandoval, membro da Comissão de Utilidades Públicas da Califórnia, que regulamenta os serviços de táxi. "Na universidade, você sabe no que se inscreveu. Mas agora, você também está sendo classificado como passageiro, como hóspede, como cliente. As informações são armazenadas e compartilhadas em uma rede. Há pouca transparência nisso."
Catherine vê numa corrida de táxi a oportunidade de fazer uma ligação, enviar mensagens de texto ou ler notícias. Mas, caso esteja em uma corrida pelo Uber, ela trata de garantir que seu silêncio não seja mal interpretado. "Em geral, digo: 'Desculpe, estou no meio de um trabalho. Por favor, desculpe.'"
Primeiras iniciativas.
Em 2008, o eBay já permitia que os vendedores avaliassem seus clientes. Entretanto, como comprar no eBay é uma operação direta, com pouca interação pessoal entre vendedor e comprador, os comentários interferiam na negociação. Agora, o site permite que os vendedores façam apenas comentários positivos sobre seus compradores.
Mas as novas plataformas permitem fazer e receber comentários, de modo que a transparência varia neste processo. O Yelp é simples: as empresas podem postar respostas a clientes críticos. No Lyft, a segunda maior destas novas empresas de táxi, os passageiros são vagamente advertidos de que "uma baixa classificação" pode acarretar a recusa do pedido. Já o Uber não menciona em seu contrato com o usuário que ele será avaliado. O alerta é limitado a uma mensagem num blog afirmando que "uma viagem com o Uber deve ser também uma boa experiência para os motoristas".
Por outro lado, parece que não é preciso muito para irritar alguns motoristas do Uber. Num fórum online, um motorista anônimo disse que dava classificações baixas a "pessoas que se mostram negativas e tendem a estragar o meu humor (ou o das pessoas ao seu redor)". Outro foi mais arrogante: "uma estrela dada a um passageiro não irá fazer mal a ninguém. Os motoristas sensíveis simplesmente não os pegam, e daí?"
Mesmo os que conhecem melhor o Uber parecem surpresos com a facilidade com que se pode cair em desgraça. "Eu tinha 5 estrelas há muito tempo, depois tive uma série de 4", disse recentemente Travis Kalanick, direto executivo do Uber, a uma revista de São Francisco. "Não sei o que aconteceu. Acho que foi porque eu estava um pouco estressado com o trabalho, e não fui tão polido como deveria."
Em parte, esta confusão decorre do fato de que a economia baseada no arrendamento só classifica as coisas horríveis ou maravilhosas, sem levar em conta as nuances. O Lyft concorda com isto quando diz aos passageiros que dão nota aos motoristas que "tudo o que for menos de 5 indica que você não está satisfeito com a corrida". Os motoristas podem ser afastados do serviço quando sua nota cai abaixo de 4,5, mas não está claro o que faz com que o passageiro seja excluído.
"Será que eles foram postos na geladeira por algum tempo ou proibidos de usar o aplicativo por terem mostrado um comportamento inadequado ou arriscado na questão da segurança? Sim", disse o Uber num blog, acrescentando que só aceita "os passageiros que mostram mais respeito". E não quis ser mais explícito.
Enquanto as normas estão sendo elaboradas, especialistas acreditam que os serviços começarão a vender suas classificações. "Um conjunto de informações extremamente específicas sobre a reputação da pessoas serão úteis", disse Fertik, coautor do guia The Reputation Economy, que visa otimizar as marcas digitais. "Se você é de fato um bom passageiro do Uber, esta poderá ser uma informação útil para a Amtrak ou a American Airlines. Mas se acrescentar sua nota do Airbnb, a do OpenTable mais a do eBay, sua classificação será útil em termos globais."
/ TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA