Muitos empresários do setor de transporte rodoviário de passageiros e entusiastas da abertura de mercado desenhada pela Lei n.º 12.996/14 ficaram decepcionados com a recente aprovação da Lei n.º 14.298/22, que passou a condicionar a outorga da autorização à comprovação de requisitos técnicos, impondo limites sempre que houver o risco de ocorrer “inviabilidade técnica, operacional e econômica” como decorrência da quantidade de autorizações. Tais limites, previu a lei, deverão ser estabelecidos pelo Poder Executivo.
Embora a restrição imposta atenda a anseios de alguns operadores de limitar a concorrência que seria causada pelo ingresso de novos players em mercados já consolidados, fato é que em um país em que inexiste transporte ferroviário e o transporte aéreo não é acessível, a abertura à franca concorrência do transporte rodoviário de passageiros é o caminho natural. Ela virá pela força inevitável dos mercados, a reboque do que aconteceu em países como Alemanha, Inglaterra, França, Itália, Noruega e Estados Unidos.
É verdade que em todos aqueles países foram editadas normas que culminaram na expansão da quantidade de operadores e de rotas, mas não é possível desconsiderar os reflexos dessa evolução para o mercado brasileiro, que transborda de oportunidades e carece de real competição. A abertura à competição provavelmente chegará antes do Poder Público. Isso porque, por aqui, as atualizações legais e normativas foram tímidas; o legislador está perdido; a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) está atrasada; há uma espiral de judicialização; e o Tribunal de Contas da União (TCU) ainda suspendeu as outorgas de autorização indefinidamente. Frente a esse quadro, o mais provável é que o mercado não espere.
A prova disso é que o Buser já fez barulho ao criar uma plataforma que deu acesso a novos mercados para as empresas de fretamento e vem expandindo nos últimos anos. Agora, gigantes como FlixBus, BlaBlaCar e mesmo o Uber se fincam por aqui e devem pressionar as empresas há muito estabelecidas, impondo mais velocidade às mudanças que o legislador e a agência reguladora não souberam, até agora, disciplinar.
Resta saber se o Poder Executivo, a quem a Lei n.º 14.298/22 confiou a tarefa de criar as “regras de exceção” para a outorga de autorizações, será sábio o suficiente para não adicionar mais uma camada de complexidade, assegurando autonomia à ANTT para que ela possa editar regras que efetivamente garantam a modernização dos mercados e o necessário fair play entre os diferentes prestadores de serviço.
*É MESTRE EM DIREITO DA REGULAÇÃO PELA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV) E ADVOGADO DO ESCRITÓRIO LICKS ATTORNEYS