Está em risco o acordo selado entre Brasil e Estados Unidos na "disputa do algodão". O acordo compensa o Brasil pelos subsídios americanos aos seus produtores de algodão e evita uma retaliação milionária do País contra produtos vindos dos EUA. O problema ocorre às vésperas da visita do presidente Barack Obama ao País em março.O deputado Ron Kind, de Wisconsin, está tentando incluir uma emenda no orçamento dos Estados Unidos para eliminar os pagamentos concedidos ao Brasil. Os EUA custeiam um fundo de US$ 147 milhões por ano recebido pelo Instituto de Algodão do Brasil, uma entidade privada que financia pesquisas que ajudam no desenvolvimento da cultura do algodão no País.A compensação é um dos pilares centrais de um acordo selado entre os dois países. O Brasil venceu uma disputa contra os EUA na Organização Mundial do Comércio (OMC). O xerife do comércio mundial considerou ilegais os subsídios americanos aos seus produtores de algodão.Os Estados Unidos se recusaram a retirar os subsídios e a OMC autorizou o Brasil a aplicar uma retaliação de US$ 829 milhões contra os americanos, elevando tarifas de importação e quebrando patentes. Após extensas negociações, o Brasil aceitou suspender a retaliação até 2012. Em troca, os EUA começaram a pagar o fundo e alteraram parcialmente alguns subsídios.A Câmara dos Deputados dos Estados Unidos iniciou ontem a votação de um novo projeto de orçamento, fundamental para permitir que o Executivo americano continue funcionando entre 4 de março e 30 de setembro, quando termina o ano fiscal. Se for aprovado na Câmara, o projeto ainda vai passar pelo Senado.O argumento do deputado é que não faz sentido pagar o fundo para os agricultores brasileiros em época de ajuste fiscal. Segundo analistas sediados em Washington, a emenda de Kind tem chances de ser aprovada, porque existe um apelo por corte de despesas nos Estados Unidos por causa da crise.Em uma audiência no Congresso, o deputado já havia cobrado o chefe do Escritório Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês), Ron Kirk, sobre o assunto. Ele disse que os EUA não podem continuar "subsidiando" os agricultores brasileiros. Para resolver o problema, Kind defendeu o fim do apoio aos cotonicultores americanos. Retaliação. O governo brasileiro está acompanhando o assunto com atenção. "Se a emenda passar e os pagamentos forem interrompidos, juridicamente o acordo perde o valor. O governo brasileiro deverá então retomar a discussão sobre a retaliação", afirmou ao Estado o embaixador do Brasil na OMC, Roberto Azevedo. Ele liderou a equipe brasileira na negociação do acordo com os americanos.A Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), que administra o Instituto de Algodão do Brasil, também está acompanhando as discussões no Congresso americano, mas preferiu não se pronunciar.Para Pedro de Camargo Neto, especialista em comércio exterior e um dos mentores do processo do algodão movido pelo Brasil na OMC, o fundo de compensação aos cotonicultores brasileiros deixou um "holofote" sobre os subsídios agrícolas americanos. Os subsídios incomodam uma parcela da opinião pública."A reação do deputado é um reflexo desse holofote. Está na hora de o Brasil pressionar pelo fim dos subsídios agrícolas em todos os fóruns, inclusive na Rodada Doha", disse Camargo Neto. Segundo uma fonte do governo brasileiro, é até positivo que o assunto reapareça na visita de Obama, porque forçará uma discussão "no mais alto nível".PARA LEMBRARUma disputa que já dura oito anos e meioA "disputa do algodão" entre Brasil e Estados Unidos se arrasta há oito anos e meio. O caso surgiu no governo Fernando Henrique, quando técnicos do governo e agricultores questionaram na OMC os subsídios concedidos pelos EUA aos seus cotonicultores.Em setembro de 2004, a OMC deu vitória ao Brasil, condenando os EUA a retirarem seus subsídios aos produtores de algodão. Os americanos apelaram da decisão e o caso prosseguiu em uma série de instâncias burocráticas. Acertos informais entre os dois países também deixaram o assunto em "banho-maria".Somente em agosto de 2009, a OMC determinou o valor da retaliação que poderia ser aplicada pelo Brasil: US$ 829 milhões. O principal temor dos americanos era a quebra de patentes.Os EUA, então, retomaram as conversas com o Brasil e aceitaram um acordo em troca de suspender a retaliação até 2012, quando será discutida a nova Lei Agrícola (Farm Bill) será discutida no Congresso.