É criminosa a maquiagem feita por muitos Estados nas contas de despesas com o pagamento de pessoal e do déficit da Previdência Social dos seus servidores. E o mais grave: ela tem a conivência dos Tribunais de Contas dos Estados. A revelação feita pelo Tesouro Nacional de que a situação das finanças estaduais é bem pior do que a informada colocou o dedo na ferida e não deve ficar no esquecimento.
É preciso punir os gestores que provocaram essa desordem nas contas públicas, principalmente depois que a ex-presidente Dilma Rousseff perdeu o cargo por crime de responsabilidade fiscal com as famosas “pedaladas fiscais”.
A contrariedade dos governadores com a divulgação feita pelo Tesouro é tamanha que deve provocar a partir de agora uma guerra de números com o Ministério da Fazenda. Para muitos Estados, o governo federal avançou o sinal ao expor dados conflitantes que não deveriam ter sido apresentados num relatório oficial – muito menos às vésperas da votação em segundo turno da PEC do teto de gastos.
O ponto fundamental, porém, é que o Tesouro começou a abrir a caixa preta dos finanças dos Estados e do relacionamento deles com a União. Nunca tinha acontecido antes. Sempre foi uma batalha reunir informações detalhadas sobre as finanças dos governos regionais. Por isso, é bombástico o conteúdo do Boletim das Finanças Públicas, divulgado na última quinta-feira. E é só o começo.
No próximo relatório, que será divulgado em maio, a radiografia será ampliada com dados dos municípios acima de 100 mil habitantes.
O polêmico documento, de 95 páginas, mostrou que sete Estados e o Distrito Federal estão com os gastos de pessoal acima do limite permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas apenas dois deles admitiram o descumprimento.
Os dados do déficit da Previdência são ainda mais alarmantes. A diferença total encontrada foi de R$ 18 bilhões. É gritante o caso do Rio. O Estado declarou um déficit da Previdência de R$ 542 milhões em 2015, mas o governo federal diz que o número real foi R$ 10,84 bilhões. Nesse caso em particular, há suspeitas de que a maquiagem nas contas do governo fluminense tenha sido feita com a conivência do próprio Tesouro.
O Tesouro pode ter sido cúmplice da criatividade fiscal do governo do Rio ao fazer vista grossa à contagem dupla de receitas com royalties – que entravam no cálculo da receita corrente e depois no fundo previdenciário. Essa contabilidade permitiu a redução dos valores registrados do déficit da Previdência estadual.
Ninguém no Tesouro sabia disso? Ninguém viu? São perguntas que precisam ser respondidas também pela Fazenda. E vale para os outros Estados. Afinal, aqueles que têm dívida com a União têm de ser monitorados permanentemente pela Fazenda.
O boletim também expõe claramente a má gestão do Tesouro ao mostrar com números que a recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU) para que o órgão só dê garantias de empréstimos para Estados com notas de créditos (rating) mais altos – A e B – foi desobedecida.
Entre 2012 e 2015, a maior parte das garantias foi dada justamente para os Estados com notas mais baixas. E o dinheiro, que deveria ter sido usado para investimentos, acabou sendo canalizado, na prática, para pagar outras despesas de custeio da máquina e conceder reajustes salariais para os servidores muito acima da inflação.
É urgente a regulamentação do Conselho de Gestão Fiscal para barrar as operações de contabilidade criativa. Previsto na LRF, o conselho não foi criado mesmo depois de 16 anos de a lei ter sido sancionada. Ele terá a função de dar uma diretriz única para o registros das contas do setor público.
Faca no pescoço. O primeiro teste do teto de gastos – o Orçamento de 2017 – poderá ser bem mais desgastante do que o governo esperava. O relator-geral, senador Eduardo Braga (PMDB-AM), já deu sinais de que não vai deixar a vida fácil para a equipe econômica. Ex-ministro do governo Dilma Rousseff, Braga quer ampliar o teto das despesas para aumentar espaço para as emendas dos parlamentares.
JORNALISTA DO BROADCAST