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Análises sobre o cenário macroeconômico

Opinião | Governo ‘faz de conta’ que acredita nos números de gasto público que apresenta

A impressão que fica é que o governo não parece disposto a encarar o problema fiscal e a inflação não parece um problema tão grave

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Foto do author Alexandre Schwartsman
Atualização:

Em entrevista recente o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, negou a possibilidade de que a aceleração da inflação resulte do impulso fiscal, isto é, dos aumentos de gastos do governo federal. Em suas palavras, “o volume de gasto federal pelo Produto Interno Bruto (PIB), se olhar para 2023, estava em 19,5%, (...), no fim de 2024 vamos acabar abaixo de 19%”.

O secretário, porém, omitiu que boa parte do salto dos gastos em 2023 ocorreu em dezembro daquele ano (eram 18,3% do PIB nos 12 meses até novembro), graças ao pagamento de R$ 95,3 bilhões no último dia do ano. Só um fanático pelo ano-calendário poderia acreditar que os efeitos disto ficariam limitados às últimas horas de 2023.

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Por ótica mais honesta, examinando a evolução das despesas excetuado o pagamento de precatórios, descobrimos que estas cresceram de R$ 2,096 trilhões em 2023 para R$ 2,176 trilhões nos 12 meses até novembro do ano passado, aumento de algo superior ao do próprio crescimento do PIB em 2024, o que também desmente a afirmação do secretário quanto ao crescimento de despesas ter ocorrido em “ritmo compatível com o crescimento do País”.

Ambos os números contradizem sua tese de que “proporcionalmente ao PIB, gastamos menos em 2024 do que em 2023″.

Não contente com isso, retoma a falácia de que o déficit do ano passado ficou na casa de R$ 12 bilhões. Este resultado, na verdade, desconsidera vários gastos que, por decisão do STF, ficaram fora da contabilidade relativa à meta fiscal e ao arcabouço. Todavia, como já notei no passado, o STF, poderoso como é, ainda não conseguiu revogar as leis da aritmética.

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Brasília (DF), 04/06/2024 - O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, em entrevista disse que proporcionalmente ao PIB, o governo gastou menos em 2024 do que em 2023.  Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Tais gastos necessariamente implicam aumento correspondente no endividamento público, e, claro, não deixam de estimular a demanda porque o Excelso Pretório assim decidiu. Isto é, para avaliar tanto o impacto sobre a dívida (portanto o risco e o dólar), assim como sobre a demanda (portanto a inflação e os juros) não adianta tapar o sol com a peneira e fingir que o resultado do governo ficou próximo da meta, quando sabemos que ficou muito aquém dela, assim como do necessário para estancar o endividamento público.

A impressão que fica não é apenas que o segundo em comando da Fazenda não acredita que a inflação seja um problema tão grave, como também não parece disposto a encarar o problema fiscal, preferindo, a exemplo do primeiro em comando, praticar a nobre arte do sofismo.

Como diz meu amigo Marcos Lisboa, não chegamos aqui por acaso; trata-se de trabalho profissional

Opinião por Alexandre Schwartsman

Economista e consultor da Pinnotti & Schwartsman Associados

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