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Líder de mercado na Oliver Wyman, Ana Carla Abrão trabalhou no setor financeiro a maior parte de sua vida, focada em temas relacionados a controle de riscos, crédito, spread bancário, compliance e varejo, tributação e questões tributárias.

Riscos locais

Os riscos ambientais aparecem como os cinco mais prováveis, segundo pesquisa do fórum

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Por Ana Carla Abrão
Atualização:

Enquanto o verão dá as caras nos trópicos, uma Suíça gelada recebe líderes empresariais, agentes públicos, membros da sociedade civil e da academia do mundo todo para o Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês). Fundado em 1971 pelo alemão Klaus Schwab, até 1986 como Fórum de Gestão Europeu, o WEF chega a sua 50.ª edição. O tom do encontro é dado pelo Relatório de Riscos Globais (GRR), publicado na semana anterior ao fórum. Baseado nos resultados de uma pesquisa de percepção de riscos feita com cerca de 800 membros, o relatório aponta aqueles que são os principais riscos globais a serem enfrentados. Esses riscos são avaliados e classificados por ordem de relevância levando-se em conta sua probabilidade de ocorrência e seu impacto potencial. São eles – e as ações a serem desenvolvidas para mitigá-los – os temas que deverão mobilizar os debates ao longo da semana de encontro e dos trabalhos que se desenvolvem a partir dela.

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Ao contrário dos anos pós-crise financeira, quando os temas econômicos dominavam as primeiras posições na relação de riscos globais, cada vez mais os temas ambientais ganham relevância entre os respondentes da pesquisa, em particular pelos mais jovens (os Global Shapers, um subconjunto composto pelos membros mais jovens do fórum). Não que os temas econômicos tenham sumido da agenda num mundo que continua – e continuará ainda mais em 2020, segundo o relatório – ameaçado pelo baixo crescimento, por guerras tarifárias, pela polarização política e pela intensificação de desigualdades que vêm deflagrando ondas de protestos mundo afora. Afinal, essas instabilidades poderão comprometer ainda mais a capacidade dos governos de lidar com os riscos de longo prazo, esses sim majoritariamente ligados ao meio ambiente.

A mudança climática e a falha nas ações de reação a ela aparecem como os principais riscos em probabilidade de ocorrência e em impacto, respectivamente. Com um número significativamente maior de desastres naturais, o aumento da temperatura global, a aceleração no derretimento do gelo polar, um novo recorde de incêndios e tempestades, além de ondas de calor cada vez mais intensas na Europa, as questões ambientais passam a preocupar de forma inédita e a exigir a reação dos líderes globais. Pela primeira vez em 15 anos de publicação do Relatório de Riscos Globais, os riscos ambientais aparecem como os cinco mais prováveis no longo prazo. Também são de ordem ambiental 3 dos 5 riscos com maior impacto: além da falha nas ações climáticas, no topo da lista, também aparecem a ameaça à biodiversidade e episódios climáticos extremos. 

Questões ligadas à tecnologia também aparecem com destaque na lista de principais riscos globais, em particular os ataques cibernéticos e as fraudes com dados, reflexos de um mundo cada vez mais conectado e sofisticado digitalmente. Da mesma forma, pressões nos sistemas de saúde e a sua inadequação para lidar com as novas necessidades que surgem como consequência do envelhecimento populacional, das mudanças na sociedade e dos avanços tecnológicos, são outras importantes fontes de risco e preocupação. Ao contrário do passado, quando as doenças contagiosas eram as principais ameaças à vida, hoje são as doenças mentais e as cardiovasculares as causas que dominam as estatísticas de morte e que, aliadas à maior longevidade, colocam pressão sobre os orçamentos públicos de saúde. 

Ou seja, as ameaças globais estão mudando de face e impondo cada vez mais a necessidade de ações coordenadas entre lideranças privadas e públicas, entre países e nas diversas interações entre sociedade e governos. Esse é o grande desafio num mundo que parece ir na direção contrária, numa tendência de maior divisão e que se fecha cada vez mais, segundo o GRR.

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Mas no Brasil esse grande desafio parece ser ainda maior. Não só porque a Amazônia seja nossa ou por conta da riqueza da nossa biodiversidade. Mas sim porque as questões ambientais que dominarão as discussões no WEF deste ano são objeto de desprezo por parte do atual governo. O mesmo tema ambiental que lidera o topo de riscos globais do GRR é aqui dominado por ceticismo, amadorismo, falta de prioridade e ausência de ações. Meio ambiente definitivamente não é uma agenda deste governo. Essa miopia, e suas consequências, nos enfraquecem e nos expõem de forma mais intensa aos riscos que, sabemos, são muito relevantes e cujas ações de controle e mitigação deveriam estar no topo das prioridades. Ao fechar os olhos ao meio ambiente estaremos, assim como no terraplanismo, apostando na nossa ignorância. Mas, neste caso, estaremos também amplificando os riscos que, enquanto o mundo avança, serão cada vez mais locais, em vez de globais.

* ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAMENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

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