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Anatel começa a preparar edital para relicitar concessão de telefonia fixa

Trabalho tem como desafio propor um modelo capaz de atrair novos interessados mesmo com as chamadas de voz caindo em desuso

Foto do author Circe Bonatelli
Por Circe Bonatelli (Broadcast)

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) já começou a trabalhar na elaboração do edital de concessão de telefonia fixa para suceder o contrato atual, que começou em janeiro de 1998 e terminará em dezembro de 2025.

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O trabalho tem como desafio propor um modelo capaz de atrair novos interessados em um momento em que as chamadas de voz estão caindo em desuso, e as atuais concessionárias estão cobrando uma revisão dos contratos para sanar prejuízos.

O conselheiro Artur Coimbra, relator da agenda regulatória da Anatel e responsável por temas ligados à concessão, afirmou que uma proposta deve estar pronta para ser submetida a consulta pública até o fim de 2022, enquanto a versão definitiva do edital para ir ao mercado deve ser uma realidade no fim de 2023.

Anatel começou a elaborar edital de concessão de telefonia fixa para suceder o contrato atual, que terminará em dezembro de 2025 Foto: Sinclair Maia/Anatel

O desenho do edital, por ora, é uma incógnita. “Ainda não temos clareza sobre isso. Muitos elementos precisam ser analisados”, ponderou o conselheiro, em entrevista ao Broadcast. Perguntado sobre como atrair interessados para esse mercado, ele admitiu não ter a resposta no momento. “É um desafio que a área técnica vai tentar responder”.

A confecção do rascunho está sendo encabeçada pelas superintendências de Controle de Obrigações; Planejamento e Regulamentação; e Outorga e Recursos à Prestação. Depois disso, passará pela área jurídica da agência e irá para o conselho diretor e para o Tribunal de Contas da União (TCU).

Coimbra indicou que algumas diretrizes são peças-chaves para garantir mais atratividade ao certame. A primeira delas é o conjunto de regras e obrigações que o concessionário terá que cumprir. Há quase três décadas, essas obrigações foram mais rígidas porque o telefone era algo restrito às famílias mais abastadas e havia necessidade de ampliar o acesso da população. Sem contar que explorar a telefonia era algo bastante lucrativo para as operadoras.

“O edital de 1998 foi muito focado em implantar uma infraestrutura que não existia. Tanto é que o plano geral de universalização trazia um número de acessos a ser instalado em cada região. Hoje, é uma infraestrutura já implantada e que está caindo em desuso”, explicou Coimbra, sinalizando que pode haver mais flexibilidade numa próxima licitação.

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A segunda diretriz na agenda da área técnica da Anatel é a da liberdade tarifária. Hoje, os preços são regulados. Uma opção seria dar liberdade para as empresas praticarem quaisquer valores, baseadas na livre oferta e demanda.

Já o terceiro ponto é o acesso aos bens reversíveis, que se referem ao conjunto de ativos (redes, antenas, edifícios, contratos, entre outros) associados à prestação do serviço e que voltarão para a União ao fim da concessão. Há uma dificuldade de listar e segregar esses ativos hoje, que se misturaram ao restante do patrimônio das companhias.

“É importante garantir acesso aos bens reversíveis para o novo concessionário para que haja um ponto de partida na prestação do serviço. Se ele tiver que implantar a rede do zero, certamente será um contrato pouco atraente”, apontou o conselheiro.


Jogo de xadrez

Paralelamente à confecção do edital, está sendo discutida a possibilidade de as operadoras de telefonia fixa alterarem o modelo de prestação atual do serviço. Elas têm a opção de migrar do regime de concessão para autorização, conforme previsto na lei 13.789, aprovada em 2019.

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Com a mudança, as empresas deixariam de cumprir obrigações regulatórias, como a manutenção de orelhões, algo que consome centenas de milhões de reais por ano. Também poderiam ficar com os bens reversíveis definitivamente.

Em troca, terão que desembolsar um valor consolidado de R$ 22,6 bilhões, segundo valor preliminar estimado pela Anatel. As maiores prestadoras de telefonia fixa são a Oi e a Vivo (do grupo Telefônica Brasil). Para a primeira, o custo da migração foi calculado pela Anatel em R$ 12,2 bilhões, enquanto para a segunda, ficou em R$ 7,7 bilhões. Em seguida vêm Claro (dona da Embratel), com R$ 2,3 bilhões; Algar, R$ 275,3 milhões; e Sercomtel, R$ 167,1 milhões.

A Anatel vai atualizar e fechar o cálculo em dezembro. A partir daí, as operadoras terão 120 dias para indicarem se vão mudar o regime ou não (a decisão é voluntária). Portanto, o prazo para aceitar os termos é o fim de abril de 2023. Vale lembrar que as teles também abriram processos de arbitragem em face da Anatel na tentativa de serem compensadas pelos prejuízos de prestar um serviço em desuso e com obrigações consideradas pesadas.

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Diante dos riscos de imbróglio, a agência regulatória quer ter na manga o edital de relicitação do serviço pronto para circular no mesmo ano de 2023, explicou Coimbra. “Queremos ter isso (edital) pronto ano que vem, após o momento em que abriremos a janela para as empresas migrarem de regime e que vence o prazo para elas se manifestarem favoravelmente”, disse.

Coimbra reiterou que a Anatel tem que estar preparada para os diferentes cenários possíveis. Se as teles mudarem o regime, a relicitação não será mais necessária, e o edital acabará engavetado.

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A Oi e a Vivo já manifestaram preocupação e cautela com a conta apresentada até aqui pela Anatel, que teria ficado “salgada” demais na sua visão. A Oi frisou que uma mudança no regime só deve ocorrer se tiver viabilidade econômica, de modo que a operação volte para o campo sustentável. Em outras ocasiões, executivos da tele já falaram abertamente que consideram a possibilidade de não migrar de regime e até mesmo devolver a concessão no fim do contrato.

Por sua vez, a Vivo questionou os critérios adotados nos cálculos e afirmou que iria analisar a metodologia adotada pela agência reguladora. Ela ainda apontou a falta de equilíbrio econômico na prestação do serviço e que segue avaliando “todas as opções para o fim da concessão” (pode-se interpretar aí: devolver a concessão no fim de 2025).


“Tecnologia obsoleta”, diz ex-ministro

Os acessos à telefonia fixa estão em franco declínio. Havia 37,5 milhões de telefones ativos em 2018, número que baixou para 33,5 milhões em 2019, 30,5 milhões em 2020, 28,7 milhões em 2021 e 27,9 milhões no fim de abril de 2022, segundo a Anatel.

“É uma tecnologia obsoleta, que está perdendo quantidade de acessos e valor”, atestou o consultor e ex-ministro das Comunicações e ex-presidente da Anatel, Juarez Quadros. “E nessa estatística, tem uma quantidade expressiva de telefones ‘mortos’, que estão lá na casa das pessoas e das empresas, mas ninguém usa.”

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Quadros lembrou que, caso não haja interesse das concessionárias mudarem o regime ou renovarem as concessões, há um risco significativo de reestatização da telefonia fixa. “A Constituição dispõe que cabe à União explorar ou garantir a exploração do serviço. Se ninguém se interessar no fim de 2025, vai voltar para a União em 2026″, alertou. “A Anatel está diante de um desafio bem grande”, completou.


Luz no fim do túnel

Há uma alternativa para dar atratividade ao edital que começou a ser citada discretamente nos bastidores da Anatel e nas declarações de agentes de mercado. Trata-se de algo muito incipiente, mas que já está entrando no debate.

Há quem defenda incluir no edital mecanismos que explicitem o acesso aos postes e aos dutos pelo futuro concessionário. As operadoras têm hoje direito de passar fios de telefonia nesses locais. Trata-se de um ativo escasso, haja vista que o número de pontos é limitado e muito disputado. Basta ver o bololô de fios pendurados.

Por sua vez, provedores regionais estão de olho nesse direito de uso, pois precisam passar fios de fibra ótica para banda larga. “Quem sabe esses caras não se interessam em oferecer telefonia fixa em nível regional? Em troca poderiam arrematar postes em grandes regiões para passar fibra”, considerou uma fonte da agência regulatória.

O Grupo Ligga Telecom (novo nome da Copel Telecom, adquirida pelo investidor Nelson Tanure, no Paraná) também engrossou o coro contra os números apresentados pela Anatel para migrar de regime. Por outro lado, a companhia vislumbrou uma oportunidade no imbróglio: “O desinteresse pela migração, gerado pelos elevados valores apresentados pela Anatel, pode abrir uma discussão interessante sobre um novo leilão de concessão. E isso nos interessa muito, em razão dos ativos, como postes e dutos, por exemplo, que estarão presentes na negociação. Mesmo com a baixa atratividade econômica direta, esse leilão pode gerar impactos significativos na dinâmica do setor”, declarou a Ligga, em nota.

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