BRASÍLIA – Os irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da Âmbar Energia, do Grupo J&F, esperam a aprovação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para assumirem a Amazonas Energia, distribuidora do Norte do País, com um custo de R$ 14 bilhões para o consumidor. Em linha com essa intenção, o diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, convocou uma reunião da diretoria do órgão para discutir uma proposta nesta sexta-feira, 7.
Em resposta à reportagem, a Aneel afirmou que a reunião foi agendada “para discutir o assunto e opções de solução para assegurar a prestação do serviço público de distribuição de forma contínua e adequada”. A Âmbar não se manifestou.
Da reunião, poderá sair uma autorização para a Aneel negociar um acordo diretamente com a empresa dos Batista sobre a operação, com aval da Advocacia-Geral da União (AGU).

No ano passado, a Justiça determinou a transferência da Amazonas para a empresa dos irmãos Batista conforme o plano apresentado pela dupla. A ordem foi cumprida pelo diretor-geral da Aneel por meio de um despacho individual, após uma sequência de reviravoltas no processo.
A reunião de sexta-feira poderá terminar com uma decisão favorável para os irmãos Batista, liberando a cúpula da Aneel ou a AGU a discutir um acordo diretamente com a empresa. Se a proposta de negociação for aprovada, o acordo ainda dependeria de nova deliberação da agência. O grupo empresarial tem até o início de março para assumir a companhia, conforme decisão judicial de dezembro.
Além disso, a discussão vai ocorrer com uma diferença que não havia nas reuniões anteriores: a presença da diretora substituta Ludimila Lima da Silva, nomeada pelo governo Lula no início do ano. Antes, a agência estava com quatro diretores e as decisões envolvendo os irmãos Batista terminaram em empate. Agora, com a presença de uma nova diretora, deve haver um desempate. Conforme o Estadão apurou, a expectativa de integrantes da agência é de que o resultado seja favorável aos Batista.
Integrantes da Aneel demonstram preocupação com o futuro da distribuição de energia no Amazonas, pois a companhia atual não tem cumprido metas e o serviço está prejudicado. Nesta semana, a agência determinou o repasse de R$ 600 milhões para cobrir custos da companhia, que sairão da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), encargo bancado pela conta de luz, após decisão judicial.
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O governo Lula beneficiou a empresa de Joesley e Wesley com uma medida provisória em 2024. A companhia comprou usinas termoelétricas da Eletrobras que vendem energia para a Amazonas mas não recebem pela venda, pois a companhia amazonense está deficitária e com o caixa quebrado.
A Âmbar assumiu o prejuízo da operação; e, três dias depois, a medida provisória transferiu o ônus para as contas de luz de todos os consumidores. Após isso, a empresa dos irmãos Batista fez uma oferta para comprar a Amazonas Energia, também com o custo bancado pelos consumidores. O governo nega ter favorecido a empresa.
A medida provisória perdeu a validade, mas, durante a vigência da norma, a Justiça de primeira instância do Amazonas determinou tanto a transformação dos contratos das usinas compradas pela empresa quanto a transferência da distribuidora para os irmãos Batista.
Insegurança jurídica
Executivos do grupo empresarial, integrantes da Aneel e especialistas avaliam que é perigoso para os irmãos Batista assumirem o empreendimento apenas “pendurados” em uma decisão judicial de primeira instância – que ainda pode ser revertida – sem o respaldo administrativo da agência reguladora.
Em jogo, está o acesso aos subsídios bancados pelas contas de luz. Se não tiver o respaldo definitivo da Aneel, a Âmbar corre o risco de assumir a empresa mas não ter acesso aos incentivos criados pelo governo na operação.
Por conta da insegurança jurídica, a Âmbar assinou um contrato para assumir a distribuidora no ano passado, mas condicionou o negócio à estabilização desse impasse até o dia 31 de dezembro. Em dezembro, a mesma Justiça do Amazonas deu mais 60 dias para a empresa dos irmãos Batista assumir efetivamente a operação, prazo que termina no início de março.
‘Rei do Gás’ tenta inferir em negociação
Outro obstáculo no caminho da empresa é o empresário Carlos Suarez, apelidado de “Rei do Gás”. Ele é dono da Termogás, comanda a Cigás, empresa de distribuição de gás do Amazonas, e cobra na Justiça e na Aneel o direito de ser ouvido na transformação dos contratos das usinas compradas pelos irmãos Batista, o que lhe daria o poder de brecar a operação.
Pessoas que acompanham o processo de perto disseram ao Estadão que Carlos Suarez deve questionar — provavelmente na Justiça — uma decisão da Aneel que favoreça a transferência da Amazonas Energia para a Âmbar. Ele cobra o direito de ser ouvido alegando ser o responsável pela garantia de pagamento do gás que abastece as usinas da Âmbar.
Suarez foi procurado nesta quinta-feira para comentar, mas a reportagem foi informada de que o empresário “está no exterior e não poderia atender”.
O empresário tentou comprar as usinas da Eletrobras, mas teve a proposta superada pela empresa de Joesley e Wesley. Depois, ainda fez uma oferta para comprar parte das usinas dos irmãos Batista, mas a tentativa foi negada. Em carta à reportagem, o empresário do gás disse que os concorrentes se sentiram “ludibriados” pela medida provisória do governo Lula que beneficiou a empresa do Grupo J&F.
A Cigás (distribuidora de gás do Amazonas, do qual Suarez é sócio) afirma que a preocupação da empresa é manter as condições do contrato de fornecimento de gás, com as garantias até então aportadas pelo governo federal e Eletrobras. O contrato atual tem validade até 2030.
“Nossa questão não é com o grupo A, B ou C, nem com os subsídios ofeceridos pelo governo, mas com uma questão objetiva, de preservar as condições de contratação da energia”, afirma Heraldo Câmara, presidente da Cigás.
R$ 14 bi a pagar em 15 anos
A proposta da Âmbar é operar a distribuição de energia no Amazonas com um custo de R$ 14 bilhões para os consumidores de todo o País durante 15 anos. A medida provisória do governo Lula autorizou a transferência desse ônus para a conta de luz. O valor da flexibilização banca os prejuízos da operação com o serviço, furtos de energia e inadimplência. Ou seja, os consumidores pagam pelo que a empresa não se compromete a entregar.
A área técnica da Aneel havia recomendado um plano mais restrito, com custo de R$ 8 bilhões e exigindo compromissos maiores da empresa. Se a nova negociação for aprovada, a agência poderá debater o custo novamente com a Âmbar. Até o momento, a empresa defendeu a proposta que apresentou alegando não ter vantagem econômica com uma proposta mais barata.
Se ninguém assumir a Amazonas Energia, o governo teria de decretar uma intervenção na companhia, possibilidade que entrou na radar da Aneel e que começou a ser estudada pela agência reguladora, inclusive com a escolha de cotados para comandar a operação, conforme o Estadão revelou. Nesse caso, o Ministério de Minas e Energia chegou a calculou que uma intervenção custaria mais de R$ 15 bilhões para o governo federal.