Passar 16 anos no comando da Telefônica, maior empresa de telecomunicações da Espanha, foi sem dúvida um exagero. No período em que esteve à frente da companhia, César Alierta, 70 anos, que esta semana finalmente concordou em sair, criou uma gigante. A Telefônica se expandiu de maneira vertiginosa na América Latina e na Europa. Mas não é fácil ver o que os acionistas ganharam com isso.
De operador do mercado de ações, com célebre paixão por charutos, Alierta tornou-se um dos empresários mais poderosos da Espanha. Sob sua batuta, a expansão movida a endividamento da Telefônica caminhou “pari passu” com o superaquecimento econômico da Espanha, a que sobreveio a grave recessão iniciada em 2008. Inicialmente, o executivo se destacou pela prudência: começou pondo ordem no desarranjo – resultante de maus investimentos realizados durante a bolha pontocom – que encontrou ao assumir a presidência da empresa.
Então, com a mesma ousadia demonstrada por executivos de outras grandes corporações espanholas, como o Santander, rendeu-se à tentação de gastar desenfreadamente. Em 2004, a Telefônica comprou as operações de telefonia celular da BellSouth na América Latina. Em 2006, adquiriu a britânica de telecomunicações O2 e investiu na China. Em 2007, o valor de mercado da companhia ultrapassava os € 100 bilhões (US$ 150 bilhões).
É bem verdade que tamanha pujança ajudou a Telefônica a atravessar o temporal financeiro dos anos subsequentes, mas a montanha de dívidas também cresceu. A partir de 2008, com o PIB espanhol em queda livre, Alierta se viu obrigado a bater em retirada, desfazendo-se de investimentos na Itália, na República Tcheca e na Irlanda. No ano passado, a Telefônica aceitou vender também a O2.
Prioridades. A companhia resolveu se concentrar em seus principais mercados, entre os quais figuram a Alemanha, onde os espanhóis compraram a E-plus, e o Brasil, seu maior mercado em faturamento. Alierta também tentou agrupar os pacotes de televisão, internet e telefonia fixa e móvel. Isso exigiu investimentos pesados em fibra ultrarrápida: a Espanha tem hoje a mais extensa rede residencial de fibra ótica (“fiber to the home”) da Europa.
Sob o comando de Alierta, a Telefônica realizou investimentos que, somados, chegam a cerca de € 100 bilhões; e a companhia, que tinha 68 milhões de clientes em 2000, hoje atende a 322 milhões de consumidores, entre pessoas físicas e jurídicas. São números impressionantes, mas os acionistas não têm muitos motivos para comemorar.
No reinado de Alierta, os lucros, incluindo dividendos reinvestidos, sofreram queda de 4,7%. E há razões para se acreditar que o executivo estava prometendo a lua quando anunciou recentemente, com pompa e circunstância, que os dividendos da próxima década estão garantidos. Afinal, a empresa terá de amortizar sua dívida nos próximos anos. Se serve de consolo, outros monopólios de telecomunicações, como a Telecom Itália, tiveram desempenho ainda pior que o da gigante espanhola. Mas os retornos de concorrentes mais ágeis, como a Vodafone, foram mais sólidos.
A Espanha vive um momento de transição geracional, como indica o surgimento de novos partidos políticos, como o Podemos e o Ciudadanos. Estariam mudanças similares prestes a ocorrer entre as lideranças corporativas do país? As maiores empresas espanholas são presididas por executivos poderosos, homens que estão chegando à casa dos 70 anos e que há mais de uma década dão as cartas em suas companhias. Mas a troca de comando na Telefônica não parece sinalizar mudanças radicais. Com 52 anos, o provável sucessor de Alierta, José María Álvarez-Pallete, não é exatamente um jovem. E, tendo em vista a prolongada permanência de Alierta à frente da Telefônica, os 17 anos de empresa de Álvarez-Pallete e seu conhecido gosto por maratonas e corridas de longa distância, não são, necessariamente, muito auspiciosos.
© 2016 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.