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Bancada do agronegócio quer aprovar pacote de flexibilizações ambientais após eleição

Projetos de lei prioritários facilitam entrada de agrotóxicos, alteram licenciamento ambiental, mudam regras de regularização fundiária e permitem autocontrole de produção agropecuária

Foto do author André Borges
Por André Borges
Atualização:

BRASÍLIA - A bancada de parlamentares ligados ao agronegócio se articula para aprovar, logo após as eleições, uma série de projetos de lei que flexibilizam as regras ambientais em todo o País. O objetivo é que, encerrado o primeiro turno, os temas sejam levados a plenário no Congresso, com o objetivo de serem sancionados ainda neste ano pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição.

A pressa está diretamente atrelada à possibilidade de o ex-presidente Lula (PT), que hoje lidera as pesquisas de intenção de voto, vir a ser eleito – além da troca de cadeiras que ocorrerá no Congresso Nacional. Lula já deixou clara a sua posição contrária a propostas prioritárias para a bancada do agro, como a liberação de mais agrotóxicos. Por isso, parlamentares que atuam na defesa do setor se articulam para aprovar, no atacado, o pacote de medidas que flexibilizam as regras ambientais.

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No Senado, todas as atenções estão voltadas para quatro projetos de lei que já passaram pela Câmara, com a articulação do presidente Arthur Lira (Progressistas-AL), e que, agora, dependem de aprovação do Senado para, então, seguir à sanção presidencial.

O primeiro diz respeito à liberação de mais agrotóxicos. Na tentativa de reduzir a rejeição ao assunto, a bancada do agronegócio passou a chamar os produtos de “pesticidas”. Depois de uma forte oposição de organizações civis, que batizaram a proposta de “PL do Veneno”, o texto que abre as portas do País para a entrada de novas substâncias foi aprovado por maioria no plenário da Câmara e, agora, está no Senado.


Projeto de lei permite entrada de novas substâncias tóxicas no País Foto: Divulgação

O senador Acir Gurgacz (PDT-RO), presidente da Comissão de Agricultura, diz que a proposta dos agrotóxicos será submetida a uma audiência pública logo após as eleições para, em seguida, ser votada em comissão e levada a plenário. Uma vez aprovada, segue para sanção de Bolsonaro.

O caminho é parecido ao que já foi desenhado para outros três projetos de lei: o que flexibiliza o processo de licenciamento ambiental, que afrouxa as regras de regularização fundiária, e o que permite o chamado “autocontrole dos produtores rurais”, que autoriza empresas e produtores a criar seus próprios programas de defesa agropecuária.

“A nossa posição é que temos de votar esses três projetos neste ano. Passadas as eleições, vamos abrir as negociações para que sejam votados”, diz Acir Gurgacz. “Temos acordo com o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e com os líderes partidários para colocar em votação no plenário logo depois das comissões.” Logo depois das eleições começa a Copa do Mundo, período em que as atenções do País estão dispersas.

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WJKAMIKAZE17 - BSB - 14/07/2022 - PEC KAMIKAZE / CONGRESSO / BOLSONARO - POLÍTICA OE - O presidente da República, Jair Bolsonaro, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, durante sessão solene no Congresso Nacional, em Brasília. FOTO: WILTON JUNIOR / ESTADÃO 

A tramitação no Senado, porém, pode não ter a velocidade planejada pela bancada. Questionado sobre o assunto pela reportagem, o presidente Rodrigo Pacheco, que ainda tem mais quatro anos de mandato e não é candidato à reeleição, preferiu não se comprometer com datas. “Não há previsão. Avaliaremos a pauta após as eleições, em reunião de líderes”, disse.

Pacheco já sinalizou para organizações civis socioambientais e parlamentares que não haverá atropelo do processo legislativo e que todos os temas serão objeto de discussões em comissões, antes de serem levados à votação pelo plenário Casa. Pelo regimento do Senado, a decisão sobre a pauta de votação cabe, exclusivamente, ao presidente – ou seja, não se trata de uma decisão automática.

Efeito Marina

A preocupação da bancada ruralista com Lula não se limita aos posicionamentos que o petista já fez sobre o setor. A reaproximação de Lula com a candidata à Câmara Marina Silva (Rede-SP) também acelera a tentativa de aprovar os projetos.

Na semana passada, Marina, que é ex-ministra do Meio Ambiente de Lula, apresentou uma proposta intitulada “Compromissos de resgate da agenda socioambiental brasileira perdida”. Foi uma condição para formalizar seu apoio. O texto, que caracterizado por Lula como “ousado”, pretende expandir o tema ambiental por todo o governo. Lula e Marina explicaram que o objetivo é concretizar uma política “transversal” de meio ambiente e que o assunto não seja responsabilidade de um único ministério, mas pauta de todos, inclusive, do chefe do Executivo.

Danos irreversíveis

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O consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA), Mauricio Guetta, afirma que o que está em jogo é o futuro ambiental do País, o atendimento às metas do clima e o controle do desmatamento. “É preciso entender o que estão querendo passar a toque de caixa nos próximos três meses. Estamos falando das principais bases da proteção socioambiental ao Brasil. Se estes projetos forem aprovados, os danos serão irreversíveis, tanto para a Amazônia quanto para as metas climáticas e a saúde humana”, diz.

Professor de Direito Ambiental, Guetta ressalta a importância de a população como um todo acompanhar o assunto de perto e se posicionar. “É muito importante que a sociedade se envolva, se mobilize. É seu direito exigir saúde adequada, um meio ambiente equilibrado. Esses projetos afastam o Brasil das metas climáticas, do controle do desmatamento, inviabiliza todos os compromissos firmados.”

Impactos

A organização Observatório do Clima faz uma série de ponderações a respeito de cada projeto de lei que está em tramitação. A respeito do projeto dos agrotóxicos, a instituição afirma que as mudanças passam para as mãos do Ministério da Agricultura a missão de registrar novos agrotóxicos, reduzindo o papel do Ibama e Anvisa a órgãos homologatórios. Afirma ainda que as medidas viabilizam o registro de agrotóxicos que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, ou que causem distúrbios hormonais, ao excluir vedação nesse sentido que consta na legislação atualmente em vigor.

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Sobre o projeto de regularização fundiária, conhecido entre os ambientalistas como o “PL da grilagem”, a organização afirma que o texto permite a regularização de áreas griladas até 2014 e acaba com a vistoria presencial para todos os imóveis em processo de regularização fundiária. Além disso, se assumido o texto mais flexível do Senado, que é a tendência, áreas com até 2.500 hectares poderão ser privatizadas.

Já o projeto sobre o licenciamento ambiental, dizem os especialistas ambientais, institui regras como o “Licenciamento Autodeclaratório por Adesão e Compromisso” (LAC), eliminando uma série de estudos e etapas atuais. Há ainda uma lista de atividades que passam a ficar isentas de licenciamento ambiental, além de eliminar determinações nacionais referentes aos processos de licenciamento.

Exploração em terras indígenas

O governo Bolsonaro conseguiu, com atuação direta do presidente da Câmara avançar nas pautas prioritárias que assumiu com a bancada do agronegócio, apesar de nenhum dos projetos mencionados terem sido objeto de sanção presidencial, a três meses do fim de seu mandato. A ofensiva, porém, não teve sucesso em um assunto visceral para Bolsonaro: a exploração mineral e do agronegócio em terras indígenas demarcadas, além da criação do chamado “marco temporal”, que pretende estabelecer que só poderiam ser reconhecidas como terras indígenas aquelas que eram ocupadas pelos povos originários na data de promulgação da Constituição, ou seja, outubro de 1988.

Representantes de comunidades indígenas durante manifestação em Brasília contra o marco temporal Foto: Eraldo Peres/AP

As duas propostas ficaram travadas na Câmara e acabaram por serem emparedadas por ações levadas ao Supremo Tribunal Federal (STF). O deputado Sergio Souza (MDB), no entanto, que preside a Frente Parlamentar Agropecuária, diz que acredita na possibilidade de colocar os temas em votação após o primeiro turno destas eleições e, assim, votar os textos na Câmara ainda neste ano.

“O texto do marco temporal está há 34 anos aguardando regulamentação constitucional, porque o Congresso, até hoje, acabou não decidindo. Nós já votamos o tema na Comissão de Constituição e Justiça e ele foi aprovado. Agora, está para ser votado em plenário. Vamos trabalhar para o presidente Arthur Lira paute o assunto no plenário neste ano”, diz Souza.

O deputado afirma que acredita na reeleição de Bolsonaro, mas sustenta que uma eventual vitória de Lula não mudaria o cenário sobre esses projetos. “Acredito que Bolsonaro vai ganhar as eleições e que isso vai ser muito bom para o País, mas, numa eventualidade de o PT ganhar, vamos continuar trabalhando nessas pautas, é o que precisamos.”

Segundo o parlamentar, os projetos prioritários da bancada do agro são vítimas de “narrativas” que precisam ser desmontadas. “É o caso dos pesticidas, que estava parado na Câmara há 20 anos. Precisávamos melhorar o texto, mudar a narrativa, mostrar que se trata de moléculas menos nocivas ao meio ambiente, foi o que fizemos.”

Sergio Souza também acredita que os projetos que já seguiram para o Senado devem ser votados neste ano. “Fizeram narrativas que induziram as pessoas a erro, mas esses projetos são necessários ao País. Temos conversado com o Senado. Acreditamos que todos serão votados.”

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