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Bets avançam no orçamento das famílias, bancos falam em ‘bomba-relógio’ e preocupação já chega ao BC

Febraban alerta que inadimplência pode subir puxada pelo aumento das despesas com jogos de azar, o que levaria a um enxugamento e encarecimento do crédito

Foto do author Alvaro Gribel
Atualização:

BRASÍLIA – O aumento dos gastos das famílias com os jogos de apostas online entrou no radar do Banco Central. A preocupação é que parte do orçamento esteja sendo gasta com as chamadas “bets” de forma descontrolada – o que pode diminuir a renda disponível para o consumo e o pagamento de dívidas. Isso teria o efeito de interromper a queda dos níveis de endividamento – que vêm recuando, ainda que lentamente, nos últimos meses.

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Na visão da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), há uma “bomba relógio” contratada sobre as finanças de milhões de famílias – o que, em última instância, levaria os bancos a ficar mais seletivos na concessão do crédito, com encarecimento de diversas linhas.

O Estado procurou empresas do setor, como Bet7K, Bet Nacional e Betano, mas não teve retorno. Segundo o presidente do Instituto Jogo Legal, que representa o setor, Magnho José, o mercado de apostas brasileiro chegou ao estágio atual devido à falta de regulamentação no prazo inicialmente previsto. Na proposta do governo de Michel Temer, o setor deveria ter sido regulado dentro de dois anos, com prazo prorrogável por mais dois. Mas isso só ocorreu agora.

Estima-se que os brasileiros tenham gasto entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões com jogos em 2023, incluindo não só as apostas online, mas também as loterias federais e as atividades que permanecem ilegais (como jogo do bicho), segundo estudo do Santander. Foto: Werther Santana/Estadão

Em palestra realizada no Rio de Janeiro, em meados de agosto, o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, indicado pelo governo Lula para assumir a presidência do Banco Central, afirmou que “o aumento da renda, sem acompanhamento da poupança e consumo, pode estar vazando para as bets”. Ele apontou que relatos de preocupações de bancos e redes de varejo já haviam chegado ao BC.

Segundo integrantes do BC ouvidos pelo Estadão, o entendimento no Banco é de que a regulação desse segmento cabe ao Executivo, e não ao órgão; mas a avaliação é de que a situação é grave e demandaria medidas “enérgicas” de políticas públicas, como campanhas estruturadas de conscientização. Para o Banco Central, a principal preocupação é de que isso possa aumentar a inadimplência.

Em postagem nas redes sociais no dia 20 de agosto, o BC abordou o tema de forma crítica. No vídeo, é feita a seguinte pergunta: “Você prefere guardar um pouco do salário para viajar com a galera no carnaval ou gastar tudo no jogo do Tigrinho?”. Um interlocutor responde que o melhor é focar no carnaval. Na sequência, a representante do BC fala: “Ótima escolha, até porque, no jogo do Tigrinho, você nunca ganha”.

Procurado, o Banco Central não se manifestou. Já o Ministério da Fazenda afirmou que o setor cresceu sem regulação desde 2018, e que as regras estabelecidas este ano têm como objetivo a proteção dos consumidores (veja mais abaixo).

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Impactos nas saúdes financeira e mental

Nas últimas semanas, os bancos Santander e Itaú divulgaram estudos sobre o tamanho dos gastos das famílias com as bets, e redes de varejo e supermercados apontaram que houve redução de consumo em função desses gastos.

Segundo o presidente da Febraban, Isaac Sidney, o crescimento desses gastos é “alarmante” e vem tomando proporções “gigantescas”. Ele defende que o uso dos cartões de crédito sejam proibidos imediatamente para o pagamento de apostas, e não em janeiro, como determina portaria do Ministério da Fazenda.

“O crescimento do mercado de apostas online no Brasil vem assumindo proporções alarmantes e gigantescas e esse cenário deveria nos preocupar seriamente, em especial quanto a seu efeito nefasto no endividamento das famílias”, disse.

O diretor-executivo de Cidadania Financeira da Febraban, Amaury Oliva, entende que há uma bomba-relógio armada no orçamento das famílias. “Estamos acompanhando com muita preocupação. O crescimento dessas apostas online é vertiginoso. É importante não só para o mercado financeiro, mas para a sociedade como um todo. É uma bomba relógio, com impacto sobre o orçamento das famílias, com aumento do endividamento, e piora das saúdes financeira e mental das pessoas”, alertou.

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O economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), Nicolas Tingas, disse que o assunto foi tratado em reunião mensal do órgão.

“Discutimos este assunto nesta semana. Há preocupação realmente sobre a extensão do comprometimento da renda com o que chamamos de diversão ou lazer. Falamos também da importância de se ter campanhas de conscientização, porque esses gastos estão ocorrendo de forma desordenada, sem planejamento”, afirmou.

No início do mês, o blog Meu Bolso em Dia, da Febraban Educação, publicou o post “Jogo de aposta online não é investimento nem brincadeira de criança”. O objetivo é orientar crianças e jovens a não cair nas “armadilhas” dos cassinos online e outros aplicativos que usam “bichinhos” como atrativos, como o “tigrinho”.

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“O momento nos lembra o fenômeno dos bingos e caça-níqueis de anos atrás, só que agora há uma capilaridade muito grande, porque é online“, diz Oliva. “Atinge até crianças e adolescentes, que é outro ponto que preocupa. O Instituto Locomotiva tem estudo mostrando que 25 milhões de brasileiros apostaram nos últimos seis meses e 86% dos apostadores já estão endividados”, afirma.

A publicação também cita a pesquisa Raio X do Investidor Brasileiro, feita pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), que mostrou que o País já tem mais apostadores do que investidores e que muitos brasileiros confundem as apostas online com algum tipo de investimento. Outro ponto preocupante é que 40% dos entrevistados pela pesquisa informaram que jogam para “ganhar um dinheiro rápido” e 39% para “ter um retorno alto”.

Até R$ 150 bi em despesas com jogos

De acordo com estudo do Santander, estima-se que os brasileiros tenham gasto entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões com jogos em 2023, incluindo não só as apostas online, mas também as loterias federais e as atividades que permanecem ilegais (como jogo do bicho).

Segundo o economista do banco Ruben Couto, há indícios de que as despesas com jogos online estão tornando mais lento o processo de “desalavancagem” das famílias – ou seja, de pagamento de dívidas. Ele esperava que, pelo momento atual – de juros em queda, Produto Interno Bruto (PIB) surpreendendo para cima e aumento da renda por meio do mercado de trabalho e de programas sociais –, a redução das dívidas fosse mais rápida.

“Minha expectativa era que o endividamento estivesse caindo mais rapidamente. Está melhorando, mas em ritmo lento. Uma hipótese é que o dinheiro que está sobrando, pelo aumento da renda e redução dos juros, não está sendo usado para a pessoa se desalavancar, mas gasto com apostas”, afirmou.

Segundo o estudo do Santander, de 2018 a 2023, os gastos com jogos saltaram de 0,8% da renda das famílias para 1,9% – ou seja, mais que dobraram. Nesse mesmo período, os setores de vestuário e calçados caíram de 3,7% para 3%, enquanto o de móveis e eletrônicos recuou de 3,5% para 3,1%.

“Os dados ainda são incipientes, porque o setor está sendo regularizado. Mas já foi detectado um aumento de despesa, com a formalização”, afirma Couto.

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Ele pondera que, além dos jogos online, há a concorrência com produtos chineses e investimentos em criptomoedas que podem estar afetando alguns segmentos do comércio.

“Ainda não dá para dizer exatamente que a queda desses segmentos do varejo foi causada pelas bets, porque há outros efeitos atuando, como concorrência com produtos chineses, mudança em hábitos de consumo, investimentos em criptomoedas. Há um mosaico de coisas”, disse.

Andrew Storfer, diretor do Núcleo de Economia da Associação Nacional de Executivos (Anefac), também entende que é preciso mais tempo para avaliar os impactos.

“Potencial para afetar a situação financeira das pessoas existe – da mesma forma que loteria esportiva, Mega-Sena e afins, e mesmo a discussão sobre cassinos. A diferença acho que é a facilidade de se fazer apostas (rápida e facilmente pelo celular) e o apelo pela variedade de apostas possíveis. Mas acho que temos de observar e ter mais dados”, pontuou.

Visão da Fazenda

Procurado, o Ministério da Fazenda afirmou que a legalização das bets ocorreu em 2018, mas sem a sua devida regulação. Isso, na visão da pasta, permitiu um crescimento descontrolado das apostas, com agentes operando fora do território nacional, e grupos praticando fraudes e delitos como lavagem de dinheiro.

“Desde janeiro de 2024 o Ministério da Fazenda tem intensificado o processo de regulação. Para isso, criou uma Secretaria própria, que já editou 10 Portarias temáticas, tratando, dentre outros, da regulação de meios de pagamento (com proibição de uso de cartão de crédito e restrição ao uso de instituições financeiras e de pagamentos autorizadas pelo BACEN, por exemplo)”, disse a pasta.

O entendimento da Secretaria de Apostas Esportivas (SAP) é de que isso irá afastar grupos criminosos, de um lado, e trazer regras para proteção dos apostadores.

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“Os consumidores deverão ser informados (tanto por campanhas educativas, quanto na própria relação com as casas de apostas) que apostar deve ser entendido como mero meio de entretenimento, não como complemento de renda ou investimento, e que tais gastos não podem colocar sua saúde mental e financeira em risco”, disse a Fazenda em nota.