
DAVOS - O presidente do Bradesco, Marcelo Noronha, cobra medidas mais fortes do lado das despesas para que o Brasil consiga caminhar em direção a um maior equilíbrio fiscal. Ao contrário, o pacote fiscal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva desencadeou um cenário de quebra de expectativas, e, ainda que os juros subam para ancorá-las, o Banco Central (BC) não pode agir sozinho, alerta o banqueiro.
“Precisamos de medidas mais fortes para chegar a um equilíbrio maior do ponto de vista fiscal. É preciso fazer um grande esforço para conter a dívida. Não é só política monetária que resolve”, diz Noronha, em entrevista ao Estadão/Broadcast, em Davos, na Suíça, onde está, pela primeira vez, para participar do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês), nesta semana.
No mundo, a sua principal preocupação é a inflação, que também “pode sair um pouquinho do controle” no Brasil, com um câmbio na casa dos R$ 6,00. “Aí é que está o desafio.”
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Enquanto o mundo está com os olhos voltados para os Estados Unidos, com a posse de Donald Trump, em meio a temores do aumento de tarifas comerciais, a nata financeira global desembarca nos Alpes Suíços para mais um Fórum Econômico Mundial. Quais as suas expectativas para Davos?
A expectativa é conversar com lideranças de outras organizações, temos uma agenda bem cheia, com uma reunião atrás da outra, e também debates sobre aspectos macroeconômicos do Brasil e do mundo, a agenda do clima, as questões geopolíticas, estamos a um passo da resolução do conflito entre Israel e Hamas, e, obviamente, os Estados Unidos, que, como a maior economia do mundo, sempre está no centro da pauta.
Todo início de ano, consultorias, o próprio Fórum Econômico Mundial, definem os principais riscos para a economia global. O que mais preocupa?
Do ponto de vista global, o desafio ainda é a inflação. É um tema que o mundo está olhando. As questões geopolíticas, essas guerras também são coisas ruins para a humanidade.
E no Brasil?
A maior preocupação hoje no Brasil é um cenário macroeconômico mais adverso para 2025 do que se imaginava há algum tempo. As preocupações são mais internas do que externas.
Como o sr. vê o País posicionado nesse xadrez global?
Em relação aos Estados Unidos, prefiro esperar para ver as medidas. Se houver aumento de tarifas, isso pode ser inflacionário. Em um ambiente inflacionário, a política monetária pode agir. Se a taxa de juros subir ou ficar onde está, o dólar se fortalece e é ruim para mercados emergentes como o Brasil. Mas os dados da inflação nos EUA reforçaram a perspectiva de continuidade de queda das taxas americanas, o que reduz a pressão sobre as moedas emergentes. Para o Brasil, o impacto (da gestão Trump) deve ser neutro.

Em recente entrevista, o sr. disse que um cenário de estresse na economia só ocorreria se as medidas fiscais fossem muito aquém do esperado. Chegamos a ele?
Não, mas é um cenário de quebra de expectativa pelo mercado de uma forma geral. O cenário de estresse seria um cenário recessivo. O nível de desemprego está baixo, a renda real ainda pode crescer 2% este ano, depois de ter avançado 4%, 5% em 2024. Não é um cenário de estresse. Agora, é um cenário de menor apetite a risco. Porque a taxa de juros deve ficar perto dos 15% ao ano, a inflação ao redor dos 5%, e o câmbio entre R$ 5,00 e R$ 5,50. É um cenário em que você onera mais as empresas alavancadas e isso diminui o apetite a risco e a perspectiva de crescimento.
Como fica o PIB?
O PIB, que aparentemente cresceu 3,6% no ano passado, pode crescer ao redor de 2% neste ano. Esse é outro indicador que não dá para dizer que é cenário de estresse, mas a economia brasileira deve crescer por conta de dois fatores: o carrego estatístico de 2024 e o setor de agronegócios, cujo cenário é bem positivo e deve ter um bom crescimento na primeira metade deste ano.
O sr. vê o Banco Central agindo sozinho para ancorar as expectativas?
Eu acho que a equipe econômica está fazendo esforço, mas uma coisa é fazer esforço, outra é conseguir efetivamente. Porque o problema fiscal brasileiro não é novo, desse governo. O Brasil tem um problema estrutural, e não se muda isso da noite para o dia. A nossa equipe econômica acha que o governo vai bater a meta primária neste ano, mas a dívida pública deve superar 80% e pode, em 2026, bater 88%. É preciso fazer um grande esforço para conter a dívida. Não é só política monetária que resolve.
O pacote fiscal não atenuou as preocupações com as contas públicas no Brasil. O governo deve fazer mais?
Precisamos de medidas mais fortes para chegar a um equilíbrio maior do ponto de vista fiscal. Isso não significa que vai resolver de uma vez por todas o desafio estrutural do Brasil. E não se trata só de receitas. A carga tributária no Brasil já é alta. É o nível de despesa. O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, tem boa relação com a equipe econômica, isso facilita a conversa sobre política fiscal. Mas temos de esperar para ver porque tem uma variável que pode sair um pouquinho do controle, que se chama inflação, por conta do câmbio. Aí é que está o desafio.
A Fitch Ratings fez um alerta quanto ao risco de novos aumentos de juros no Brasil este ano acelerar o downgrade de empresas brasileiras. Quais são os setores que preocupam mais neste cenário?
As 436 empresas de capital aberto no Brasil têm um grau de alavancagem controlado. Não vejo um cenário se deteriorando brutalmente. As empresas de médio porte tendem a sofrer mais porque não são tão capitalizadas. Esse cenário pode impactar mais as pequenas e médias empresas, menos na pessoa física porque o nível de desemprego está controlado, e algumas linhas específicas de crédito.
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Quais?
O crédito imobiliário na linha convencional do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) tem uma taxa de juros tabelada de 12% mais 0,5%. Hoje, está abaixo do custo de dinheiro na curva longa de juros. Todos os bancos já usaram mais do que o estoque de poupança e aquelas outras emissões que podiam fazer. Então, eu vejo essa linha desacelerando no Brasil. Isso bate na compra de imóveis. Por outro lado, tem o fator positivo do agronegócio e, com esse câmbio, os exportadores nadam de braçadas.
O aumento de juros já aparece na inadimplência?
O banco está operando com apetite a risco controlado, com modalidades de crédito mais seguras.
Em nossa última entrevista, o sr. disse que, se tivéssemos um cenário de estresse, o banco iria puxar o freio no crédito. Chegou esse momento?
Chegou para o sistema. O apetite a risco para 2025 vai ser menor. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) divulgou uma perspectiva de crescimento da carteira de crédito entre 9% e 10%. Vamos ver índices menores do que as projeções e do ritmo de expansão visto no ano passado.
Na semana passada, o banco acessou o mercado externo, obteve demanda e até mesmo uma taxa menor que o previsto. Como está o humor do investidor estrangeiro com o Brasil?
Tem apetite estrangeiro para Brasil dependendo da companhia. Mas tem um conjunto de investidores que não quer colocar dinheiro no País enquanto não tiver certeza de como o Brasil vai navegar com o câmbio e a taxa de juros. O investidor de longo prazo que está fazendo investimento em infraestrutura continua vindo, mas, para o de renda variável, não.
Tivemos uma onda de fake news no Brasil sobre o Pix. Essa crise compromete a ferramenta que teve tanto sucesso no País?
Uma coisa é passar informação à Receita Federal, outra é tributar. Eu não vi essa intenção. O que a medida visava é algo que fazemos há mais de 20 anos em que todo consumo de cartão de crédito da pessoa física acima de R$ 5 mil é informado para a Receita Federal. E na pessoa jurídica, as transações acima de R$ 10 mil também são informadas. Qual é o problema de informar os outros meios de pagamentos? Nenhum. É um cruzamento de dados natural da Receita Federal.
Em paralelo à crise do Pix, a Meta, dona do Facebook, decretou o fim do seu sistema de checagem de informação. Quais são os riscos ao sistema financeiro, às economias?
Eu não encaro isso de outra maneira. Nas redes sociais, temos uma discussão à parte. Agora, na questão do Pix, foi mais falta de entendimento do propósito do que qualquer outra coisa. Foi uma questão de informação. Não tinha nada a mais do que isso. As outras discussões são vieses momentâneos. Acho que essa crise do Pix já vai acabar.
Mas as fake news continuam. A volta de Donald Trump e as crises no Brasil, o fiscal, agora o Pix, antecipam e complicam as eleições de 2026 no País?
Não. O quadro eleitoral para 2026, a gente vai ver lá. Vai depender muito de como estará a economia, né? Está certo? Esse é o nome do jogo para qualquer candidato no Brasil. Essa questão com o Pix vai passar. Não estou perdendo o sono com isso. Nós temos de trabalhar, não tem muito tempo para gastar com certas coisas.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não irá novamente a Davos. A ausência do chefe da equipe econômica enfraquece a participação do Brasil no Fórum?
É natural que o ministro da Fazenda seja uma figura importante em um Fórum desse, mas eu acho que é mais importante fazer o dever de casa interno do que participar do evento. Temos uma agenda mais importante no Brasil do que em Davos.