Numa evidência de que o Brasil está deixando de ser competitivo até mesmo nos lugares onde tem vantagem geográfica e tarifária, o País perdeu, em uma década, participação de mercado em metade dos produtos fornecidos a países vizinhos da América do Sul.
Os concorrentes, principalmente a China, tomaram do Brasil, em média, 11% desses mercados, o equivalente a US$ 10,7 bilhões (R$ 52 bilhões) que deixaram de ser exportados à região. Se não tivesse perdido esse espaço, o Brasil poderia exportar anualmente 30% a mais aos países vizinhos.
Os números fazem parte de um estudo feito pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) em parceria com o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), cuja motivação foi a percepção na indústria de que o comércio na região sofre uma queda estrutural. Os resultados do trabalho, foram considerados preocupantes.
Mais de 70% dos segmentos nos quais o Brasil perdeu participação de mercado na América do Sul são tradicionais na indústria de transformação: máquinas e equipamentos, produtos químicos e plásticos, além de metais como ferro, aço e alumínio. Se consideradas apenas as compras de bens de consumo, a participação dos produtos brasileiros nos países sul-americanos teve um encolhimento de 27,6 pontos porcentuais em dez anos.
A China foi a maior responsável por deslocar as exportações brasileiras na região, mas não a única, já que o Brasil também perdeu espaço, a depender do mercado, para Estados Unidos e Índia, assim como para competidores da própria América do Sul — caso do Paraguai, que ganhou mercado na Argentina, e da própria Argentina, que avançou sobre o espaço ocupado por produtos brasileiros na Bolívia. Em cada país da região, competidores de 15 origens diferentes avançaram, em média, sobre o terreno deixado pelo Brasil.
Para chegar a esses resultados, o estudo comparou as importações dos países em 2021 (ano de referência) com as de 2011 — ou seja, período de uma década. A partir de dados do Banco Mundial, os pesquisadores identificaram os grupos de produtos nos quais o Brasil perdeu alguma participação de mercado — 50% do total —, bem como os países que mais ganharam espaço nos segmentos nos quais o Brasil perdeu competitividade.
A avaliação é que não havia muito o que se fazer contra o avanço generalizado chinês, uma tendência global por a China ter aumentando suas exportações ao restante do mundo em 77% no período analisado. Porém, chamou a atenção dos autores do estudo a baixa resiliência do Brasil ao “fenômeno China”.
Da Argentina, principal parceiro comercial do Brasil na região, ao Suriname, uma economia pequena da América do Sul, o estudo mostra perda disseminada da participação brasileira, qualquer que seja o tamanho do país ou o volume de comércio. Só para a Argentina, o Brasil deixou de exportar US$ 4,3 bilhões (R$ 20,9 bilhões) por ano.
Falta de competitividade
Sem se aprofundar nas possíveis causas, o estudo relaciona a perda de peso do Brasil na região tanto a velhos problemas domésticos de competitividade, como o atraso da infraestrutura, as dificuldades de financiamento ao comércio exterior e os resíduos tributários nas exportações, quanto a barreiras não tarifárias.
Enquanto países da Aliança do Pacífico (Chile, Peru e Colômbia) colocaram em vigor acordos com parceiros de fora da região, como China, Estados Unidos e Japão, a Argentina costurou acordos de swap cambial com Pequim e contou com o financiamento chinês para contornar a sua crônica escassez de dólares.
Mais recentemente, os dois países fecharam acordo para que a Argentina use o yuan, no lugar do dólar, para pagar importações chinesas. Em paralelo, a convergência regulatória dentro da América do Sul evoluiu timidamente, resultando em um número ainda elevado de barreiras técnicas que comprometem a fluidez nas trocas de produtos entre os países.
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“A China ganhou competitividade em diversos setores e já conseguiu superar as questões, que antes eram colocadas, sobre a qualidade de seus produtos. A China tem uma combinação de produtos e financiamentos mais estruturada do que o Brasil. Cabe a nós destravar as agendas para aproveitar as vantagens logísticas do Brasil na região”, comenta Gustavo Bonini, diretor titular do departamento de relações internacionais e comércio exterior da Fiesp.
A aprovação da reforma tributária pela Câmara na semana passada foi considerada um passo fundamental, já que com a criação do IVA, o imposto sobre valor agregado, os produtos brasileiros não devem mais disputar mercados internacionais carregando resíduos tributários.
Porém, a Fiesp observa que é preciso também avançar mais na agenda de cooperação regulatória entre os países, visando à remoção das barreiras técnicas ao comércio na América Latina.
Um dos caminhos propostos para o Mercosul caminhar mais rápido nessa frente é dar prioridade às exigências essenciais de qualidade e segurança dos produtos, ao invés da negociação, mais morosa, de regulamentos específicos e considerados excessivamente prescritivos.