A reforma trabalhista deve acabar com a obrigatoriedade da contribuição sindical e com as sinecuras dos sindicatos oportunistas. Mas deixou intacta a dinheirama do Sistema S, que os sindicatos empresariais usam como bem entendem.
Trata-se do conjunto de serviços administrados pelos organismos oficiais dos empresários cujas iniciais começam com S: Sesi, Senai, Sesc, Senar, Senac, Sest, Senat, Sebrae, Sescoop. É um bolão de recursos 4,5 vezes maior do que o do imposto sindical. Em 2016, os sindicatos patronais e dos trabalhadores receberam R$ 3,6 bilhões, enquanto só o Sistema S ficou com R$ 16 bilhões – excluindo-se a contribuição colhida paralelamente pelo Sesi e o Senai.
O Sistema S nasceu há 75 anos, como parte das instituições getulistas destinadas a incentivar a industrialização. Seus recursos provêm da cobrança de contribuições das empresas, de 0,2% a 2,5% das folhas de pagamentos, e têm por objetivo financiar iniciativas que garantam qualificação profissional, educação, cultura, serviços de saúde e lazer para os trabalhadores.
Hoje, seu funcionamento se caracteriza pela produção de alguns serviços de excelência que, no entanto, escondem o principal. Em 2015, ano do balanço mais recente, o Senai, matriculou 3,4 milhões de pessoas em cursos profissionalizantes e de tecnologia. O Sesc ofereceu milhares de espetáculos de teatro e de shows artísticos. Mas é um resultado obtido em ambiente marcado pela falta de transparência, como concluíram investigações do Tribunal de Contas da União, o TCU. O edifício da Fiesp na Avenida Paulista, um dos pontos mais valorizados de São Paulo, foi construído inteiramente com recursos do Sesi e do Senai.
Certas sugestões de que os sindicatos partilhassem a administração desses recursos foram sumariamente rejeitadas. Prevaleceu um acordo tácito: os sindicatos continuariam a usar como quisessem os recursos do imposto sindical e os empresários fariam o mesmo com os do Sistema S. Com o fim da obrigatoriedade do imposto sindical, esse acordo deve ficar capenga.
Uma busca rápida no site do TCU mostra que tramitam pelo menos 29 processos sobre falta de informações ou de prováveis desvios de recursos. Na semana passada, o Senado enviou mais dois requerimentos de investigação ao TCU e ao Ministério da Transparência. O senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), autor dos requerimentos, sustenta ponto de vista que levanta preocupação: “O Sistema S é um caso de desvio de recursos públicos maior do que o da Petrobrás”.
Ataídes observa que Sesi, Sesc, Senai e outros “S” mantêm dezenas de milhões de reais em aplicações financeiras e investimentos imobiliários, notoriamente desvios de função, enquanto a aplicação do princípio de gratuidade, uma das obrigações do sistema, mal alcança 15% dos cursos ofertados. Exemplo disso é o Sebrae, encarregado de oferecer serviços aos pequenos e médios empresários. As investigações do TCU mostram que, nos últimos quatro anos, só 4,9% da receita bruta da instituição foram destinados a cursos gratuitos.
FALTA DE TRANSPARÊNCIA
Um dos desafios é obrigar as entidades paraestatais a seguir o modelo de gestão da iniciativa privada, com normas de compliance e governança. O TCU verificou que 83% das entidades do setor não possuem auditoria interna e 78% não são dotadas de conselho fiscal.
Para o economista e presidente do Insper, Marcos Lisboa, a forma de seguir critérios de transparência é garantir a fiscalização dos balanços por auditores independentes. “A população paga um imposto a entidades privadas, que usam os recursos sem prestar contas a ninguém.”
Além da reforma trabalhista, a reforma da Previdência pode provocar mudanças. Uma das propostas já em discussão prevê a destinação de 30% dos recursos do Sistema S para aposentadorias públicas e despesas com saúde e assistência social. Se isso acontecer. o Congresso terá a oportunidade de abrir a caixa-preta do Sistema S que há anos segue intocada.
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