O mercado financeiro global se comporta como um condenado à morte cuja execução está sendo sucessivamente adiada. A cada adiamento, respira fundo, mas o alívio dura pouco, porque a execução é inevitável.
Nesta quinta-feira, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) voltou a adiar a retomada da alta dos juros básicos (Fed funds) da principal moeda do mundo. Tecnicamente, essa alta corresponde ao início da retirada de uma montanha de R$ 3,5 trilhões que foi descarregada pelo Fed na economia a partir de 2008 para prover liquidez aos mercados prostrados pelo colapso do crédito ao longo da crise.
Em consequência dessa operação, também desde 2008, os juros nos Estados Unidos rastejam aos níveis próximos de zero por cento ao ano. Em julho, a presidente do Fed, Janet Yellen, avisara que estava na iminência de iniciar a operação oposta, a do enxugamento dessa dinheirama. Mas, nas últimas semanas, importantes segmentos do mercado global vinham comemorando a perspectiva de manutenção dos juros atuais com queda das cotações do dólar e procura das opções de mais risco.
Do ponto de vista do Brasil, a alta traria mais um desdobramento da tempestade perfeita que assola a economia. Juros mais altos nos Estados Unidos implicariam valorização do dólar em relação aos demais ativos. Os preços das commodities, que correspondem hoje a quase 50% das exportações brasileiras, tenderiam a cair ainda mais em dólares; as disponibilidades de capital tomariam o rumo preferencial dos Estados Unidos e obrigariam os emergentes, como o Brasil, a captar recursos em moeda estrangeira a custos mais altos; empresas endividadas em dólares, como a Petrobrás, seriam mais uma vez atingidas... e as consequências se multiplicariam.
Foram pelo menos três as razões pelas quais, mais uma vez, o Fed empurrou para mais à frente o início da operação de normalização monetária. A primeira delas é a ameaça de deflação. A queda das cotações do petróleo e das commodities vem achatando os preços. A alta dos juros sobre o dólar reforçaria essa tendência e deflação é problema grave: o consumidor tende a adiar suas compras, os estoques aumentariam no atacado e no varejo o que, por sua vez, derrubaria a produção. Além disso, as dívidas aumentariam em relação a uma cesta de mercadorias e serviços e a arrecadação de impostos teria tudo para cair.
A segunda razão para o adiamento da operação de enxugamento é a recuperação ainda muito lenta do mercado de trabalho dos Estados Unidos, que levaria um tranco com a alta dos juros. E a terceira, o enfraquecimento da economia da China (e demais emergentes) que, com um dólar mais forte, sofreria ainda mais. Em consequência do aumento das dificuldades da China, a economia mundial, que ainda convalesce da crise, seria prejudicada.
Na entrevista concedida nesta quinta-feira após a decisão do Fed, Janet Yellen citou um a um esses fatores. Agora, os analistas vão se perguntar o que já vinham se perguntando antes: quando, afinal, começará a operação de retirada de dólares dos mercados. Ou, por outra, perguntarão quando será a execução do condenado.
CONFIRA:
A volatilidade do dólar no câmbio interno nesta quinta-feira, antes e depois do anúncio do Fed, às 15 horas. A moeda americana terminou o dia em alta de 0,76%.
Cide A principal razão pela qual o governo não aumentou a Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico (Cide) foi a de não deixar passar a impressão de que, em vez de resolver o problema das contas públicas, estaria favorecendo um setor da economia: o do etanol. Mas o impacto que a alta dos combustíveis provocaria sobre a inflação também teve seu peso. Esse aumento não está descartado.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.