É em momentos de crise severa, como a produzida pela seca recorde de 2024, que se percebe como o setor elétrico brasileiro vem acumulando problemas que corroem sua resiliência e encarecem a conta de luz.
Os interesses de quem atua para acumular benefícios próprios e o enorme poder de interferência do Congresso vêm prejudicando a capacidade de organização e de regulação dos órgãos técnicos do setor.
O exemplo mais recente desse desequilíbrio foi a votação do marco regulatório da energia eólica offshore (em alto-mar). O texto aprovado seguiu para sanção presidencial enxertado de jabutis, como são chamadas as matérias contrabandeadas na letra da lei que nada têm a ver com a proposta central. Pelos cálculos da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, o custo adicional desses penduricalhos foi estimado em R$ 20 bilhões por ano, o que, até 2050, perfaria R$ 545 bilhões – impacto de 9% ao ano a ser descarregado sobre a conta de luz. O presidente Lula vetou esses jabutis. Cabe agora ao Congresso decidir se derruba ou mantém esses vetos presidenciais.
Edvaldo Santana, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica, adverte que “a política de subsídios continua desgovernada. O problema principal é o de que a discussão sobre a diversificação da matriz energética está dominada pelo Congresso, onde predominam “os interesses locais, que impõem o planejamento, determinam quanto deve ser instalado e de qual fonte”.
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Os subsídios do setor elétrico corresponderam no ano passado a 13% da conta de luz paga pelo consumidor. Para este 2025, o total deve chegar a R$ 40,6 bilhões. Destes, R$ 36,5 bilhões serão pagos pelo consumidor, aumento de 18,2%. É um modelo tarifário injusto, aponta Santana, porque a conta pesa mais no bolso de quem não usufrui de nenhum benefício.
Além disso, a criação e a prorrogação desses subsídios acabam gerando distorções na estrutura de incentivos do mercado de energia que, por sua vez, prejudicam a confiabilidade do sistema, em que é essencial a operação integrada e equilibrada entre as fontes renováveis e intermitentes e as outras fontes. O excedente de energia impulsionado pelos subsídios vem forçando o Operador Nacional do Sistema (ONS) a cortar a geração solar e eólica (curtailment) em determinados momentos para não sobrecarregar o sistema elétrico e evitar apagões, como o de agosto de 2023.

Para o professor da UFRJ Nivalde de Castro, coordenador-geral do Grupo de Estudos do Setor Elétrico, o saldo de 2024 foi negativo. Esses cortes programados na geração criam um “ovo da serpente”, pois abrem brechas para judicialização e novos desarranjos. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça julgou a favor da Aneel o recurso contra liminar que estabelecia um ressarcimento aos geradores pela incidência desses cortes que, segundo as principais associações do setor, ultrapassou R$ 1 bilhão em prejuízos.
Nivalde acredita que a solução para essas distorções passa pela retomada da formulação da política energética pelo Ministério de Minas e Energia (MME), o que não dispensa o diálogo com o Congresso e com os agentes do setor. “Recuperar esse protagonismo é fundamental para viabilizar que as decisões técnicas se sobreponham às decisões políticas motivadas por vieses econômicos”.