Há assuntos que há quatro décadas vêm e voltam no Congresso brasileiro, como as fases da lua. Um desses assuntos é a regulamentação do lobby, agora em crescente.
Um projeto de lei tramita na Câmara dos Deputados em regime de urgência. Em paralelo, corre a solicitação de decreto federal, de iniciativa da Controladoria-Geral da União (CGU), que impõe mais transparência à atividade dos lobistas no governo.
As práticas de lobby, no Brasil, quase sempre estiveram associadas a corrupção e a relacionamento escuso entre os setores privado e público. Se não isso, têm servido para arrancar do governo, do Congresso e até mesmo do Judiciário decisões que atendem a interesses privados, nem sempre em harmonia com o interesse público.
Por trás de um lobby podem estar empresas, setores da economia, sindicatos, ONGs, instituições religiosas e corporações profissionais. Os mais críticos advertem que o lobby não passa de instrumento que, na prática, sabota o funcionamento de uma democracia, entendida esta como o governo do povo para o povo. No entanto, na vida moderna também é preciso entender que, desde que não contrariem o interesse público e que não “desequilibrem o jogo”, as atividades de grupos particulares de pressão são também legítimas. Daí por que é preciso que, nas atividades de lobby, haja transparência, que é para deixar claro quem defende o que, em nome de quem e com atuação junto a quem.
O professor de estratégia do Insper Sérgio Lazzarini lembra que uma relação aberta entre políticos e lobistas é essencial para que todas as empresas (e não só as grandes) tenham influência no poder público para permitir acesso isonômico. “Regulamentar é tornar a atividade legítima e torná-la transparente.” Por isso, a palavra-chave deveria ser sempre simplificação do lobby, e não burocratização, já que esta só tenderia a ajudar as grandes corporações.
A OCDE entende que o lobby é um direito democrático, na medida em que apresenta o ponto de vista de diferentes agentes. Mas reconhece que o interesse público estará sempre em risco se as negociações não forem de conhecimento de todos.
São 14 países, dos 36 da OCDE, os que já dispõem de uma estrita regulamentação das atividades do lobby. Nos Estados Unidos, em tempos passados chegaram a ser consideradas crime. Mas lá, em 1946, foi aprovado o primeiro conjunto de leis que as regulamentaram. Pelos levantamentos da organização americana especializada Open Secrets, o setor lobista movimentou US$ 3,4 bilhões em 2018, ano em que operaram cerca de 11 mil profissionais devidamente cadastrados (veja o gráfico). Hoje, 30 mil lobistas estão em Bruxelas para influenciar as decisões políticas da União Europeia.
Como no Brasil ainda não há regulamentação, não há mensuração confiável do setor. A Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig) estima que existam 8 mil profissionais dedicados à atividade. Mas tira desse universo os que se dedicam à defesa dos interesses dos sindicatos e das entidades de representação dos empresários.
Além de reconhecer que o lobby deva ser atividade de interesse público, o projeto de lei do deputado Carlos Zarattini (PT-SP) prevê que os lobistas sejam cadastrados em cada órgão público em que atuam e exige deles o porte de crachás.
O projeto de decreto de autoria da Controladoria-Geral da União prevê que as negociações e as audiências realizadas em gabinetes públicos sejam transmitidas online e que informem objetivos, horários, locais e participantes dos encontros. O problema dessa iniciativa é que, por se tratar de decreto da Presidência da República, terá vigência apenas no âmbito do Executivo federal, deixando de fora o Congresso e outros organismos públicos estaduais e municipais.
Para a professora do MBA de Relações Governamentais da Fundação Getúlio Vargas Andréa Gozetto a iniciativa da CGU será um passo na direção certa, mas estará longe de se tornar uma regulamentação do setor. Para ela, uma boa regulamentação deveria monitorar a ação dos grupos de interesse (como se faz nos Estados Unidos) sem restringir o acesso desses agentes ao poder público. “Regulamentar o lobby não vai acabar com a corrupção”, adverte. O que não pode, diz, é falar em lobby e pensar em ilicitude.