Até agora, o presidente Donald Trump manteve o nariz empinado e os olhos espremidos. Mas, desde quinta-feira, começou a piscar – e a vacilar.
Adiou por um mês o início da vigência do tarifaço sobre o Canadá e o México depois que, um dia antes, já decidira reduzir a zero as importações de veículos também do Canadá e do México. Ele justificou a repentina mudança: “Não quero prejudicar a indústria de veículos dos Estados Unidos”.
Isso quer dizer bem mais do que passou a admitir. Caiu a ficha de que o piloto mexeu tanto nos botões da cabine da aeronave que agora já não sabe como se comporta o avião.
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Seu tarifaço e tudo o que o vem acompanhando começaram a desmantelar as complicadas cadeias de produção e distribuição. Nem um celular nem uma bicicleta se produzem a partir de chips e peças de um único país. O sistema produtivo passou a ter relações intrincadas e globalmente interdependentes. A imposição unilateral de tarifas e a escala pretendida deixaram as administrações da indústria, da agricultura e do comércio sem saber para onde dirigir os novos pedidos e, principalmente, sem condições de canalizar os novos investimentos: A que prazos de entrega? A que preços? A que câmbio?
Afora o lema geral do Make America Great Again, até agora, ninguém entendeu os objetivos pretendidos. É para cortar os fluxos de imigração indesejada? É para bloquear a entrada de drogas? É para combater a competição desleal do comércio? É para dar uma resposta aos países “que nos tratam mal”? Ou é para aumentar as receitas do Tesouro, para posterior redução da carga tributária geral, como outras vezes Trump tem argumentado, mesmo sabendo-se que tarifa aduaneira é um imposto regulatório e não, arrecadatório.

E há as retaliações, que começaram e não se sabe até onde irão. Elas terão impacto sobre a produção e sobre o nível de emprego dos Estados Unidos.
Além disso, as sobretaxas obrigam o importador a repassar o aumento de custos para o preço final. Os produtores de veículos dos Estados Unidos avisaram que o preço do carro, mesmo o montado internamente, deve ficar em dólares cerca de 25% mais alto. Ou seja, o tarifaço de Trump aumentará a inflação. E isso não ficará por aí. À medida que o custo de vida subir, o Fed (banco central dos EUA) terá de acionar os juros.
Outra fonte de incerteza, dessa vez institucional, é a de que a política de comércio exterior dos Estados Unidos é prerrogativa do Congresso. Até agora, Trump se comportou como se fosse a mãe Joana da casa. São decisões que, em tese, podem ser contestadas no Congresso ou na Justiça. Mas, outra vez, como, nessas condições, uma empresa pode traçar sua estratégia?
Não está claro até onde vai a piscada de Trump. Por enquanto ela parece se limitar à desorganização já produzida entre as montadoras dos Estados Unidos. Mas essa é uma confusão global que apenas começou.