PEQUIM - Ainda existem incertezas na economia global que podem levar a um "duplo mergulho", apesar dos recentes sinais de recuperação, afirmou ontem o primeiro-ministro da China, Wen Jiabao, em entrevista coletiva concedida no encerramento da reunião anual do Congresso Nacional do Povo.
Entre os problemas enfrentados por algumas das grandes economias mundiais, o premiê citou o alto nível de desemprego, crises da dívida soberana e riscos nos setores bancário e de finanças públicas.
Segundo ele, também há ameaça de flutuações do preço de commodities e de algumas das principais moedas globais. Para completar o mosaico de incertezas, as expectativas de inflação dificultam a definição de políticas econômicas apropriadas em certos países.
"Tudo isso pode provocar retrocesso na promoção da recuperação da economia global e pode até levar a um duplo mergulho", disse Wen. "Duplo mergulho" é a expressão usada para definir a eventual entrada da economia mundial em uma nova recessão, depois da recuperação experimentada nos últimos meses.
O primeiro-ministro da China ressaltou que seu país não está imune a essas ameaças, já que não tem possibilidade de se desenvolver fora do ambiente global. "É verdade que a economia se estabilizou, mas não houve uma melhoria fundamental na operação de várias empresas chinesas, que continuam a depender das medidas de estímulo para se manter", ressaltou.
A China conquistou no ano passado a invejável marca de 8,7% de expansão do PIB, graças ao pacote de US$ 586 bilhões anunciado pelo governo em novembro de 2008. O principal veículo para injeção de recursos na economia foram os empréstimos bancários, que tiveram expansão de US$ 1,4 trilhão em 2009, o dobro do registrado no ano anterior.
O ano de 2010 será o "mais complicado" para a China no século 21, em razão das incertezas internacionais e dos problemas domésticos que o país continua a enfrentar, disse Wen. "Nós temos que administrar com habilidade a relação entre rápido e estável crescimento econômico, a reestruturação da economia e o controle das expectativas inflacionárias", afirmou. De acordo com ele, só com a realização simultânea dos três objetivos a China poderá evitar o "duplo mergulho".
O Índice de Preços ao Consumidor subiu acima do esperado em fevereiro e atingiu 2,7%, o mais alto patamar em 16 meses. No mês anterior, o indicador havia registrado expansão de 1,5% e, em dezembro, de 1,9%.
Os preços dos imóveis _que não entram na composição da inflação_ deram um salto de 10,7% em fevereiro, reforçando os temores de que o setor está envolto em uma bolha cada vez mais inflada.
Na avaliação de Wen, a conjugação de inflação, desigualdade na distribuição de renda e corrupção é "suficiente" para afetar a estabilidade social e o próprio poder do Estado.
"Vai ser extremamente difícil realizar a tarefa de manter o crescimento, controlar a inflação e reestruturar a economia, mas isso é imperativo."
O governo chinês tem como meta mudar o padrão de crescimento do país, com a redução do peso das exportações e dos investimentos e o aumento da relevância do consumo doméstico. Também pretende reduzir a relevância de indústrias que consomem muita energia e matérias-primas e expandir a de segmentos de alta-tecnologia e de serviços.
Com isso, observou o premiê, o país conseguirá se afastar dos atuais problemas estruturais, que provocam um desenvolvimento "instável, descoordenado e insustentável".
Wen afirmou que o governo continuará a adotar uma política fiscal proativa uma política monetária moderadamente frouxa. O dirigente descartou a saída do pacote de estímulo no curto prazo e disse que o custo de eventuais retrocessos econômicos seria muito grande.
Mas ele ressaltou que as políticas poderão se tornar mais flexíveis e seletivas na medida em que a situação se modifique. "Tenho confiança de que ainda terei um sorriso em minha face quando encontrá-los na entrevista coletiva do próximo ano", afirmou o premiê.