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Não faz qualquer sentido discutir por quantos anos o teto de gastos será desrespeitado

É essencial que a PEC da Transição estabeleça a obrigatoriedade de o Executivo enviar um projeto de lei complementar ao Congresso para a criação de um novo arcabouço de regras fiscais

colunista convidado
Foto do author Claudio  Adilson Gonçalez
Por Claudio Adilson Gonçalez
Atualização:

Nos seus dois primeiros anos de vigência (2017 e 2018), o teto de gastos (TG) foi cumprido com certa facilidade, pois seu valor inicial (2017) foi inflado por superestimativa da inflação de 2016. Mas, já em 2019, percebia-se que essa regra fiscal teria vida curta, pois dada a rigidez dos gastos obrigatórios (mesmo após a reforma da Previdência), sua manutenção exigiria redução inviável do valor real das despesas discricionárias, principalmente investimentos públicos.

No governo Jair Bolsonaro, não só em razão da pandemia de covid-19, mas também pela necessidade de atender a demandas políticas, o TG, apresentado na ementa da EC n.º 95/2016, que o criou, como “o Novo Regime Fiscal” brasileiro, foi seguidamente desmoralizado por uma sucessão de emendas constitucionais, inclusive pela criação do enorme esqueleto fiscal das precatórias não pagas. Ou seja, o TG não exerce mais a função de âncora fiscal, pois perdeu a credibilidade junto aos agentes econômicos.

Coordenador do governo de transição, Geraldo Alckmin entrega o texto da PEC para o relator geral do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI)/FOTO: Wilton Junior/Estadão 

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Além disso, a compressão das despesas discricionárias já ultrapassou seu limite viável, o que é visível pelo aniquilamento de várias políticas públicas essenciais e pela redução a quase zero do investimento público.

Enfim, o TG é um defunto insepulto. Portanto, a discussão quanto ao número de anos que o Congresso autorizará, mediante a chamada PEC da Transição, que sejam desrespeitados não faz qualquer sentido.

Inquestionavelmente, para 2023, há necessidade de autorização legislativa para que a norma ainda vigente não impeça a continuidade e o melhoramento dos atuais programas de transferências de renda e para a realização de gastos inadiáveis. De forma arbitrária, estimo que um valor da ordem de R$ 120 bilhões seria suficiente.

Mas, muito mais importante do que esse valor, é essencial que a PEC da Transição estabeleça a obrigatoriedade de o Poder Executivo enviar projeto de lei complementar ao Congresso para a criação de um novo arcabouço de regras fiscais. Idealmente, as novas regras deveriam ser aprovadas a tempo de serem incorporadas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2024.

A PEC da Transição não deve entrar nos detalhes desse novo regime, mas é preciso que estabeleça as exigências mínimas que deverão ser observadas pela lei complementar. Destaco a seguir as duas que considero fundamentais. A primeira é que as novas regras garantam a sustentabilidade intertemporal da dívida pública. A segunda, que a política fiscal seja efetivamente anticíclica, ou seja, contribua para a suavização das variações cíclicas da economia.

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Não será preciso inventar a roda para desenvolver um regime fiscal que atenda a essas exigências. Podemos nos inspirar em experiências bem-sucedidas em nossos vizinhos sul-americanos. Chile (desde 2001), Colômbia (desde 2013) e Uruguai (desde 2021) possuem sólidos arcabouços fiscais que obedecem a esses princípios.

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