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Economista e diretor-presidente da MCM Consultores

Opinião | A flexibilização do teto de gastos

Soou como precipitada e inoportuna a gritaria desencadeada por alguns ministros no mês passado

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Por Claudio Adilson Gonçalez
Atualização:

A regra do teto de gastos teve resultados positivos expressivos até o momento. Sem ela, o risco país não teria caído tanto e, portanto, não teria sido possível reduzir significativamente a Selic. Além de conter a escalada do crescimento da relação dívida/PIB, provocou maior realismo na elaboração do Orçamento da União e no controle de gastos durante a execução orçamentária.

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Por isso soou como precipitada e inoportuna a gritaria contra o teto de gastos, desencadeada no mês passado por alguns ministros e inicialmente apoiada pelo presidente Bolsonaro, que depois recuou. Da forma como foi colocada, parecia ser apenas uma licença para gastar mais.

Mas isso não significa que não se possa pensar com calma, após amplo debate técnico e político, em alguns aperfeiçoamentos nesta regra. Nesse sentido, recebi com muita simpatia o texto elaborado pelos economistas Fábio Giambiagi e Guilherme Tinoco, divulgado no dia 2 do mês passado, denominado O teto de gasto público – mudar para preservar, que veio ao encontro de preocupações que venho tendo há tempo e que podem ser resumidas em três pontos.

O primeiro é que a dinâmica dos gastos públicos tornará, em breve, impossível cumprir o teto. Os crescimentos das despesas com a Previdência Social (apesar da reforma) e de outros gastos obrigatórios continuarão ocorrendo a taxas anuais superiores à inflação. O cumprimento do teto, até aqui, foi ajudado por dois fatores. Da forma como foi instituído, com base no gasto efetivo de 2016 e com superestimativa da inflação de 2017, o teto largou com certa folga. Isso, junto com diferenças entre as inflações estimadas e as efetivamente observadas nos anos seguintes, possibilitou que as despesas sujeitas ao teto crescessem em termos reais, no biênio 2017-2018, cerca de 1,8%. Queimada essa gordura, ficará cada vez mais difícil cumprir o teto.

O segundo é que a regra do teto tem levado a uma queda dramática nos investimentos públicos da União, situação que se agravará nos próximos anos. Em 2014 os investimentos federais corresponderam a 1,34% do PIB, e devem ficar em 0,6% do PIB em 2019. O governo aposta todas as suas fichas no crescimento da participação dos investimentos privados em áreas antes tocadas pelo governo, com o que concordo. Mas em nenhum país do mundo o governo pode se abster totalmente de fazer investimentos.

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O terceiro ponto é que qualquer regra fiscal precisa ser factível, sem o que perderá sua credibilidade entre os agentes econômicos.

A proposta para discussão, dos economistas citados, notórios conhecedores de contas públicas, objetiva resolver essas questões. Em síntese, eles propõem: 1) que o teto para a despesa primária total (em termos reais) suba 1% ao ano, de 2023 a 2026; 1,5% ao ano de 2027 a 2030; e 2,0% ao ano de 2031 a 2036. Para a despesa corrente (que não inclui investimentos), essas taxas seriam sempre 0,5 ponto porcentual menores. Isso possibilitaria a criação do que os autores chamam de “corredor de investimento”; 2) que a flexibilização só comece a vigorar em 2023; e 3) antes disso, o governo e o Legislativo devem dar prioridade a medidas que concorrerão para o controle do gasto público, como, por exemplo, a reestruturação das carreiras do funcionalismo e uma regra, sem aumento real obrigatório, para o salário mínimo. Essa ideia é melhor do que simplesmente excluir os investimentos do teto, pois, com o limite para o gasto total, não haverá estímulo para disfarçar gasto corrente em investimento. Note-se que o investimento poderá ser maior do que o espaço deixado pelo “corredor”, se a despesa corrente ficar abaixo do teto.

A não ser num cenário desastroso para o crescimento real do PIB, com taxa média anual inferior a 1,0%, a despesa primária continuaria caindo em relação ao PIB, pelo menos até 2030.

É uma proposta sensata, que vale a pena ser debatida. *ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORES, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

Opinião por Claudio Adilson Gonçalez
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