Analisar o desempenho das contas públicas apenas com base nos resultados fiscais convencionais (RFC) pode levar a conclusões enganosas, principalmente se o objetivo for projetar seus impactos sobre a sustentabilidade da dívida do governo.
O ideal é acompanhar o resultado fiscal estrutural (RFE), que exclui do RFC os eventos não recorrentes, tanto nas despesas como nas receitas, bem como os efeitos advindos dos ciclos econômicos.
Em períodos em que o PIB efetivo supera o potencial (excesso de ocupação), as receitas inclinam-se a crescer acima da tendência e, teoricamente, há certo alívio em algumas despesas, como seguro-desemprego, por exemplo. Quando o ciclo econômico for de contração, com o PIB efetivo abaixo do potencial, ocorre o contrário, ou seja, as receitas caem atipicamente e há maior pressão para gastos.
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Recentemente, a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda apresentou relatório com as estimativas dos RFE, desde 1997 até o terceiro trimestre de 2024, empregando nova e acurada metodologia, e com abertura para União, Estados e municípios. Alguns números merecem destaque.
No período 2016-2022, o RFE da União registrou em média déficit de 0,95% do PIB potencial, tendo sido próximo a zero somente em 2021, muito ajudado pelo aumento da inflação naquele ano. Por exemplo, o decantado superávit fiscal de 2022 correspondeu na realidade a um déficit estrutural de 0,8% do PIB potencial. Ainda na União, em 2023, o déficit estrutural subiu para 2% do PIB potencial, em parte pela liberação de despesas represadas, mas caiu para 1,2% do PIB nos três primeiros trimestres de 2024 e tende a ser menor em 2025. Ou seja, a deterioração fiscal é evidente, mas o processo não é recente e os números atuais não são explosivos.

O economista Bráulio Borges (LCA Consultores e FGV Ibre) mostrou que todas as projeções de arrecadação, inclusive as do próprio governo, não levam em conta os efeitos potencialmente positivos do esgotamento do enorme estoque de compensações tributárias decorrente da decisão do STF de excluir, retroativamente a 2017, o ICMS da base de cálculo do Pis-Cofins, nem o fim, já aprovado em lei, de várias desonerações. Também não incluem o provável forte crescimento da arrecadação do óleo-lucro do pré-sal. Tudo somado, estamos falando em um aumento potencial de arrecadação (sobre 2024) de 1,5% a 2,0% do PIB, até o fim da década. E, a prazo mais longo, a reforma dos impostos indiretos poderá reduzir expressivamente as renúncias de receitas dos Estados e municípios.
Além disso, apesar das dificuldades políticas atuais, há espaço para racionalização das regras de evolução das despesas obrigatórias e o juro real, hoje em quase 10% ao ano, mais cedo ou mais tarde, voltará para o neutro (entre 4,5% e 5,0% ao ano).
A situação fiscal preocupa, mas a trajetória da dívida pública não é necessariamente explosiva.